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Meu coração vem parar na boca, há quanto tempo esse maluco tá me olhando?

- Não te vi entrar – meu pai tem a calça de pijama bem baixa, sem camisa, exibindo o abdômen, me pergunto como alguém que trabalha muito e passa as roupas, meticulosamente, tem tempo para ter tantos gomos. 

Ele segura o saco e faz um gesto para que eu retome o exercício, nunca consegui ensinar muita coisa de judô para ele, o bom é que se eu levar a briga para o chão costumo me dar bem, mas sabendo disso nunca me dá chance.

- O que tá acontecendo, Casanova? – pergunta quando começo a bater.

- Casanova? - very sexist, but I'll take it (1). Tensão sexual, a garota que eu gosto não tá interessada, bebo e dou vexame, tô vendo vultos e você é superior a mim em tudo, tudo! Você não tem um defeito, problema, dor... cê é humano? - Me conta alguma coisa de você que ninguém sabe, ruim de preferência – continuo batendo no saco e é surpreendido pela pergunta, fica em silêncio, indecifrável como sempre.

O homem na minha frente é seguro, polido, forte e tenho certeza que morreria por mim, mas não pode ser o mesmo que pressionava a pélvis na esposa horas atrás, pode? De onde veio aquele mano? Thomas sempre resguardado, sangue frio, inteligente, por que não sou assim? 

Por que meu corpo e mente são essa montanha de ansiedade e insanidade? Sim, insanidade porque aparentemente além de querer engravidar Olívia eu falo sozinho enquanto esmurro o saco de pancadas no meio da madrugada.

- Tá bom – troca as pernas e o suor começa a se formar na pele, devo socar com mais força do que imagino. A cada soco uma parte de mim fica mais calma enquanto a outra procura mais merda para jogar no ventilador. Porque minha vida é um drama barato? - você sabe que sua mãe foi espancada no Viaduto do chá, certo? - paro, mas sinto o coração bater mais acelerado, ele gesticula para que eu retome as porradas e obedeço, com menos força dessa vez - eu pedi para que ela não fosse, eu tava aqui, trabalhando, ela foi para um congresso na USP, não estávamos juntos ainda, mas eu sabia que ela não deveria ir, não conseguia me concentrar em nada então fui treinar, esmurrei o saco como doido e meu corpo pedia mais porque eu tava com medo, era medo mesmo, eu não sabia que tava apaixonado, mas sabia que alguma coisa ruim poderia acontecer e se acontecesse eu... - não termina - Depois de um banho frio voltei para o trabalho.

- E descobriu que tava certo? - sacode a cabeça positivamente.

- Pior do que você pode imaginar - ele abandona o saco e me retira as luvas - Vem comigo – chama e puxa a toalha limpa no cesto de palha.

Tranca a porta do escritório quando entramos e vai para o cofre, escorado na mesa vejo o conteúdo, nossos passaportes, algum dinheiro em várias moedas, automáticas e cadernos de capa preta em couro. Mais diários? de uma pasta ele retira envelope e me entrega.

- Eu te contei uma coisa sobre mim que ninguém sabe, não era o maior segredo do mundo, mas esse é, senta. - manda e obedeço.

São fotos, impressões do que demoro a reconhecer como minha mãe. Um nó brota na minha garganta e antes que qualquer som saia dos meus lábios estou chorando, minha mãezinha numa maca de hospital, completamente apagada, mais parece um cadáver do que a mulher que conheço, tem o rosto inchado do que deve ter sido um chute, porque me custa a crer que alguém daria soco, como esse, numa mulher, pelo volume do inchaço me pergunto se quase não perdeu o olho bonito.

As demais fotos me dão vontade de vomitar, o ombro tem um hematoma gigante, a coloração vermelha é tão violenta que sinto o meu próprio. 

O laudo indica o número de costelas quebradas, maxilar luchado, que escapou por pouco, escoriações e lesões por todo o corpo, já vi o vídeo da violência policial, embora sejam muitos em nenhum é possível contar chutes e socos que levou, sabia que tinha sido feio porque ficou hospitalizada por dias, mas isso... a jovem Ati nesse estado é inominável.

FredOnde histórias criam vida. Descubra agora