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- Trouxe as coisas? - pergunta no meu ouvido enquanto me abraça, aceno positivamente.

- Cadê minha mãe?

- Tá no primeiro andar, uma das nossas vizinhas é maquiadora profissional.

- Pedi para que se arrumasse lá – Aretha interrompe – pra fazer um mistério - não respondo, minha dose acabou e vou buscar outra.

No escritório bebo olhando em volta, livros, bebidas caras, passaportes e algum dinheiro no cofre, Thomas nasceu rico, não precisou fazer nada pra que nós tivéssemos tudo isso. É injusto que além disso ainda tenha a família perfeita.

De volta ao quarto ele me cumprimenta, deve ter notado que eu existo, ao invés do tradicional beijo na têmpora recebo somente um aceno de cabeça porque mira meu copo de whisky, não sei se meu castigo incluía álcool também, mas que se foda, sem sexo dá pra ficar, sem whisky não.

- Como é? - pergunto me jogando na cama, meus converses sujos sobre os lençóis imaculados.

- Como é o quê? - vira-se para mim segurando um blazer azul diferente, mais claro que os demais.

- Como é ter tudo, nunca ter sofrido por nada ou lutado por porra nenhuma - esclareço minha pergunta e as meninas param de boca aberta.

A música de Aretha Franklin continua ecoando, alheia à tensão do quarto, até nisso ele é superior, tinha de gostar de jazz, não curte meu rap da periferia ou metal como minha mãe, ele tinha de adorar as divas do jazz.

- I beg your pardon (1)?

- Você me ouviu!

- Eu conquistei tudo que tenho – me encara tranquilamente.

- Seu salário de servidor público não te permitiria comprar um apartamento de vinte milhões de reais num dos metros quadrados mais caros do Brasil. Você é rico, nasceu rico.

- Sim – responde menos tranquilo, coloca o terno que tem nas mãos em cima dos demais sobre a cama – eu sei que nascer em família rica me deu muitas vantagens - não foge do meu olhar – mas fui inteligente para aumentar meu patrimônio, guardava cada centavo do meu trabalho para o futuro – cruza os braços sobre o peito – pra dar uma vida confortável ao meu filho que viria me dizer que não mereço o que tenho.

- E elas? - pergunto apontando minhas irmãs. Bebo um gole de whisky admirando as espectadoras do nosso combate. - como é ter filhas amorosas, carinhosas, inteligentes e bonitas? Nem defeito elas têm, só te dão orgulho. Alguns pais vivem decepções, outros perdem os filhos, você não – digo tranquilamente – elas são perfeitas, como tudo que você tem.

- Fred quanto você bebeu?

- Não tô alcoolizado, só curioso – bebo mais um gole – como é ter tudo, não duvidar de nada ou se preocupar com porra nenhuma – Olho para minha irmã ruiva – curiosidade, só isso.

Encaro Thomas que nesse momento parece ainda maior do que é, tem os braços cruzados sobre o peito em posição defensiva e me encara com os olhos escuros.

- Eu gostaria que você saísse porque hoje é um dia especial e você não vai estragar.

- Fascinating (2)! - digo irônico – o que me leva a perguntar, como é ter a mulher perfeita? - ele respira profundamente como se procurasse paz interior, deve querer me esfolar – como é não ter dúvida, não brigar, não ter dias ruins. Como é ser casado com a mulher mais perfeita do mundo? - deixo meu copo vazio no criado – palavras suas, na piscina, foi a tirada do século, inclusive – eu relembro e vou me colocando de pé – Uau, ainda tem isso – bato na testa fazendo cena – como é ser invejado? Até o vô Fernando era doido na sua mulher!

FredOnde histórias criam vida. Descubra agora