Assim que o último cliente saiu e a cozinha da lanchonete foi limpa, Karol ajudou Michael a trancar tudo, pois Gastón havia saído mais cedo; entretanto, ao invés de ir embora como o colega de trabalho, a menina deu a volta no estabelecimento para despistar quem passava por ali e depois voltou, sentando-se na calçada e abraçando os joelhos por causa do frio que fazia naquela noite.
Ela estava relativamente ansiosa por tudo o que havia acontecido naquele dia e mais ainda porque Agustín havia prometido levar o histórico naquela noite mesmo. Então ao invés de ir para casa, Karol resolveu ficar e esperá-lo como haviam combinado, apesar de que não parecesse uma idéia tão inteligente assim; especialmente após a confusão na qual esteve envolvida.
Nunca esteve em seus planos brigar com alguém. Não era isso que Karol queria. Do lugar de onde ela vinha as pessoas não se resolviam com discussões, muito menos com violência – e isso foi algo que a assustou tremendamente assim que se viu no meio de tantos mortais que nunca parecem satisfeitos até ver o sangue jorrando de alguém ferido.
E desde então a menina vivia em um impasse doloroso, pois não era totalmente humana, tal qual não era mais um total anjo.
O corpo mortal lhe proporcionava sensações que ela nunca sentiu antes, bem como dores e ferimentos...
Mas os sentimentos... Sim, esses sim se afloraram monstruosamente.Era como se a fúria da justiça que habitava em seu coração se tornasse mais feroz.
E queimava. A raiva ardia como brasa acesa.
E Karol não sabia se viria a se acostumar com isso.
Ela coçou o canto do rosto e se encolheu ainda mais dentro da roupa que usava, buscando um pouco de calor para aplacar os tremores que sacudiam seus ossos. Apesar de já estar se acostumando com a friagem da região, ainda assim, era difícil prever como aquele corpo se portaria e era sempre uma descoberta mais insana atrás da outra.
Karol lutava dentro de si com o lado vulnerável e a força e os reflexos angelicais que ainda lhe pertenciam – ela só não sabia até quando.
Afinal, já haviam lhe arrancado as asas; quanto tempo mais demoraria até arrancarem também sua força inumana e os reflexos de defesa? Bom, disso ela não sabia, mas tinha medo de que esse momento chegasse.Afundada nos pensamentos ela só se deu conta de que não estava sozinha quando o toldo acima de sua cabeça piscou duas vezes, apagando e acendendo a luz avermelhada que circundava o nome "Cantina Vietto"; a menina se empertigou e olhou em volta, até que viu um carro derrapando na entrada, amassando as pedras que tinham pelo caminho e se aproximando do estabelecimento.
Uma brisa gélida soprou seu rosto enquanto ela se levantava da calçada.
O carro estacionou de qualquer jeito e a porta foi escancarada.
Não era Agustín.
─ O que está fazendo aqui? Já fechamos. ─ A menina disse com o maior grau de hostilidade que conseguiu, desejando que o rapaz desistisse de ficar ali e fosse embora de uma vez.
Grande inocência de sua parte.
Como uma chuva de areia violenta que o vento arrasta bruscamente pelo ar, Lionel desceu do carro e bateu a porta, fazendo com que o som do impacto ressoasse pelos quatro cantos, assustando Karol que se sobressaltou com a pancada.
─ Eu esperei que essa coisa fechasse e vi quando todo mundo foi embora, mas você voltou... Tá esperando quem?
Era difícil não dar-se conta de que ele estava bêbado, e nem era apenas pela voz arrastada e os olhos perdidos que tentavam a todo custo focar-se nela, mas sim principalmente pelos tropeços que deu enquanto dava alguns passos errantes até ela.
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A Marca dos Anjos
Romance*VENCEDOR DO THE WATTYS 2022* As regras são claras: Um ser imortal jamais deve se apaixonar por um humano. E mesmo consciente disto, Karol resolveu lutar bravamente pelo rapaz por quem se apaixonou há muitos anos. E, igualmente encantado, Hugo...