CINQUENTA E UM

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ANTES...

Ruggero havia despertado de um sono profundo. Sentia como se tivesse dormido por anos, contudo, mesmo assim, parecia que a exaustão o abraçava. Quase não sentia o próprio corpo.

Num movimento atabalhoado, virou de lado e se levantou, percebendo que estava em um lugar completamente claro, espaçoso, com um cheiro deliciosamente familiar. O perfume de sua mãe.

─ Garoto.

Moveu o pescoço, olhando diretamente para uma figura franzina que estava no canto.

O rapaz magro e alto sorria para ele. Não aparentava ter mais do que treze anos. E mesmo sendo grande, tinha uma feição infantil, inocente, sorridente demais. Seus cabelos castanhos eram longos, iam até os ombros numa cascata ondulada e farta.

Trajava calças e camisa e amarelas. Suas asas eram douradas e longas.

─ Onde eu estou?

─ Eu tive que ir buscar você. ─ O anjo respondeu, entrelaçando as mãos na frente do corpo. ─ E na verdade a nossa viagem seria mais longa, no entanto, acho que você precisa decidir para onde deseja ir.

Foi então que Ruggero percebeu: Aquilo não era um sonho. Havia realmente usado a espada de Hassel. Matara-se. E aquele anjo parado bem ali, com aquelas asas... Karol já havia lhe contado sobre as cores das asas.

Num movimento brusco, enfiou a mão no bolso, retirando dele uma pena dourada. Dourada como as asas daquele anjo a sua frente.

─ Você é um anjo da morte. ─ Sussurrou numa rápida constatação.

O anjo riu de um jeito doce, infante.

─ Eu sou. Deixe-me apresentar. ─ Abriu os braços. ─ Sou Uziel. E antes que tenha medo, não sou como o meu irmão e me envergonho de seu feito. ─ Maneou a cabeça com pesar e doses altas de decepção, talvez até vergonha. ─ Raziel não podia ter feito aquilo. Não compactuamos com isso. Nenhum de nós.

Ruggero não sabia se acreditava, por isso deu um passo para trás por mais que não soubesse para onde poderia correr.

O lugar era uma imensidão branca sem fim.

Não havia começo. Não havia para onde ir. Sequer havia céu. Parecia uma sala gigantesca e isolada. Sem portas ou janelas. E apesar disso, tudo era muito ventilado e agradável.

Sentia-se muito bem.

─ Que lugar é esse? ─ Indagou baixinho.

Uziel suspirou, abanando suas belas asas.

─ Aqui é o meio-termo. Não costumamos trazer ninguém aqui, e confesso que estou inaugurando este lugar, mas o seu caso era diferente. Sei que levá-lo para a casa do Pai lhe causaria mal. Porém, tampouco eu poderia te levar para... Enfim. Você sabe. Prefiro deixar a escolha em sua mão.

Ruggero girou nos calcanhares, olhando em volta pela décima vez.

Uziel não estava mentido. Aquele lugar não parecia ruim nem totalmente bom.

Um verdadeiro meio-termo. A linha tênue entre o céu e o inferno.

─ Onde ela está? O lugar onde ela estiver, eu irei.

─ Tem certeza disso?

Ruggero foi rápido até o anjo, decidido.

─ Eu preciso vê-la. Preciso estar com ela. A Karol mentiu para mim. Ela até me deu uma pena do Raziel que encontramos no chão da casa dela. Ela me fez acreditar que isso tudo seria reversível, mas não foi. Eu a vi morta e não pude fazer nada. ─ Explicou num fôlego só. ─ Você me entende, não é? Ela é tudo para mim. E eu não quero o céu se ela não estiver nele.

A Marca dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora