CINQUENTA E TRÊS

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Havia um sol extraordinariamente brilhante no céu daquele lugar. Ruggero não conseguiu esconder sua admiração enquanto Miguel o guiava para fora do enorme casarão, que o arcanjo lhe disse que era um 'Pronto-Socorro'.

Segundo Miguel, aquele casarão existia para acomodar os 'novatos'. Era uma forma de mantê-los tranquilos enquanto se acostumavam com sua nova realidade. E Ruggero escutou com paciência toda a explicação, concordando com tudo, pois não havia como negar que aquela enorme construção era um ponto de paz.

Tudo era muito claro, um vento delicioso deslizava para dentro das janelas – todas abertas –, pássaros voavam por todos os lados e pousavam nos parapeitos, parecendo observar o movimento dos 'pacientes'.
Cada andar comportava um montante de pessoas. Parecia haver quartos o suficiente para um batalhão; e os enfermeiros e enfermeiras, assemelhavam-se a anjos, pois tinham um brilho maravilhoso no olhar, um carinho edificante e um amor sereno para compartilhar.

A paciência reinava; o afeto também.

E do lado de fora do casarão era igual. Para além do jardim, Ruggero viu uma multidão de gente reunida, batendo palmas em um ritmo legal, bem sincronizado.

Ao ir chegando perto, o rapaz logo reconheceu a melodia que se sobressaia.

Era uma música que ele conhecia perfeitamente.

A música que o pai cantava para ele. A música que Bruno cantou na cozinha de casa quando Karol estava lá.
Foi o melhor café da manhã de Ruggero em anos. Os três se divertiram muito aquele dia.

─ Pai? ─ Sussurrou ao ver de longe um rosto profundamente familiar.

Imediatamente pousou a mão sobre o peito; emocionado.

Quis chorar, mas o choro ficou entalado na garganta; apenas um soluço seco escapou por seus lábios.

Bruno parecia brilhar de tão feliz!

Ele cantava alegre, dedilhava no violão com maestria, entretinha a todos, deslizava pelo palco improvisado interagindo com os outros músicos que o acompanhava e, com um talento incrível, prendia a atenção de qualquer um.

Sempre foi um ótimo músico e agora usava da música para ajudar a quem ainda se sentia perdido naquela nova realidade.

Ao cantar para eles, Bruno lhes fazia relaxar e recordar os melhores momentos de suas existências.
Era como uma terapia; e ele estava disposto a ajudar a todos.

─ Ainda não é fácil para o seu pai aceitar que partiu, principalmente porque luta dia após dia para assimilar a culpa que carrega por todos os percalços e tristezas que criou para você, mas estamos cuidando dele. E ajudar ao próximo, vem deixando-o cada vez melhor. ─ Miguel explicou, pousando a mão sobre o ombro de Ruggero.

─ Agora ele pode viver do sonho de ser músico. ─ Deixou um riso abafado escapar, lutando para não sair correndo até o pai. ─ Tive tanto medo que ele...

─ Ele jamais iria para aquele lugar. ─ Miguel disse. ─ Apesar de todos os erros que ele próprio cometeu, sabemos que boa parte foi induzida por Muriel e Raziel. O Bruno quis parar com tudo isso inúmeras vezes e ele até teria conseguido se não fosse por meus irmãos. ─ Abanou a cabeça com pesar. ─ E independente de qualquer coisa, garanto-lhe que tudo o que ele fez de melhor na vida, ele fez por você. O amor que seu pai sentia por você, Ruggero, o salvou de padecer no purgatório.

─ Só o amor salva. ─ O garoto balbuciou com um sorriso nos lábios e os olhos úmidos de lágrimas.

Só o amor salva. Era isso que sua mãe dizia após assistirem a algum filme que falava sobre alguma superação.
Antonella frisava que se não fosse pelo amor, as pessoas sem dúvida caminhariam por aí como zumbis. O amor, para ela, representava a alma.

A Marca dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora