TRINTA

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Um arrepio de mau agouro subiu pelo corpo de Ruggero e contornou cada pedaço de sua pele, alojando-se na nuca.

Ele arfou pelos lábios entreabertos; a voz lhe faltava.

A marca nas costas do delicado anjo parecia funesta, nociva, danosa o suficiente para encher o quarto de doses homeopáticas de agonia.
Não por ele. Não. O cérebro de Ruggero trabalhava com o pavor de imaginar a dor que a garota havia sentido; a dor que antecedeu àquela cicatriz medonha, pavorosa.

Encolhendo-se dentro de si mesma, Karol cobriu os seios nus com os braços, abraçando o próprio corpo frio e trêmulo; de cabeça baixa e olhos fechados, ela permitiu que sua verdadeira essência viesse à tona.

Uma essência que ela sabia que poderia ser visceral demais para um humano, contudo, não conseguiu ter coragem de olhar para Ruggero.

Ele, por sua vez, sentiu um nefasto repúdio pelo o que quer que tenha feito aquilo com ela.

Uma gota de ódio atrás da outra fez com que transbordasse dele uma ira colossal.

Pondo-se de pé, Ruggero foi se aproximando da menina.

Olhando de perto, a marca era ainda mais repugnante.

Via-se três vergões de cada lado das costas, como se houvesse levado chicotadas. A pele em volta era vermelha, inchada e parecia fina como papel, prestes a romper. O contorno era perfeitamente irregular; e dentro da marca, uma cor preta se derramava como sangue seco, podre.

Ele estremeceu.

Porém apesar de toda a repugnância, o contraste com a pele cor de marfim dela fazia com que a marca quase saltasse para fora, cintilando sutilmente, impelindo em Ruggero uma vontade enorme de tocá-la.

Necessitava tocar.

Ergueu a mão devagar, hipnotizado.

Seus dedos se esticaram automaticamente, ansiosos.

─ NÃO! ─ Gritou Karol, cambaleando de encontro a parede. ─ O que ia fazer? Não pode, Ruggero! Jamais!

O ar saiu barulhentamente pela boca dele.

─ Eu quero tocar, Karol. Eu preciso...

─ Não. Você não precisa. Só parece que precisa. ─ Apertou os braços com mais força para cobrir os seios. Estavam cara a cara. ─ É isso que ela faz com a cabeça dos humanos. Ela despeja em cima de vocês uma vontade que não devem ter. Os anjos caídos são atraentes, perigosos e nocivos, tal qual a cicatriz. Mas de algum modo isso é como um imã para os humanos. Porém... Não faz bem.

Ruggero piscou os olhos rapidamente e moveu a boca, mas as palavras não saiam.

Afastando-se um pouco, ele coçou a nuca, depois a cabeça. De repente todo o seu corpo pinicava. Parecia que estava se sufocando dentro de si mesmo, como se seu corpo não fosse mais seu.

─ Eu não estou entendendo nada... ─ Murmurou esfregando a garganta seca. ─ Quem fez isso com você? Porque te feriram assim? Quem pode ter sido tão mal ao ponto de deixar uma marca dessas nas suas costas?

Karol quis se agachar e puxar o vestido, cobrindo-se; mas ao invés disso permaneceu imóvel e deixou que as lágrimas escorressem.

Seu corpo exposto não era mais vergonhoso do que a marca que mostrou a ele.

─ Não posso culpar quem fez isso comigo. ─ Disse à meia voz. ─ Foi uma escolha minha. Eu quis isso.

─ Mas que absurdo é esse que está dizendo, caramba?! Quem quer uma cicatriz dessas?! Quem quer ser machucado desta forma, Karol? Precisa me dizer quem fez isso. Precisa me dizer!

A Marca dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora