VINTE E TRÊS

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Karol deu um passo trôpego para frente e amassou a grama com o solado das botas. Seu coração batia tão acelerado que temeu que todos pudessem ouvi-lo, mesmo que as conversas paralelas estivessem rolando, apesar de a professora ter frisado que acabaria tirando ponto de quem falasse.

─ Com licença. ─ Ruggero murmurou perto de sua cabeça, posicionando-se bem atrás dela.

O rapaz apertou o lenço com força entre os dedos e tentou não pensar em como estava estupidamente nervoso.
Nem parecia que era apenas um trabalho escolar.

─ Eu mesma posso fazer isso. ─ Karol retrucou referindo-se a vendar os próprios olhos com o lenço.

─ É claro que pode. ─ Balbuciou Ruggero, contudo, não fez nenhum gesto de passar o objeto sedoso para ela. ─ Agora fica quieta, porque eu não acho que queira prolongar essa dinâmica.

A garota quis revidar a altura do sarcasmo e deboche que estava bem intrínseco na voz dele, mas a professora começou a ditar as "regras" do exercício, deixando bem claro que assim que os dois "cobaias" começassem, os outros deveriam imitá-los da melhor forma.

─ Agora, agilizem, meus amores! Vai, garoto da camisa xadrez que eu já esqueci o nome. Coloca a venda na menina atrasada! ─ Ordenou Lili batendo palmas para enfatizar sua euforia.

Karol abriu e fechou as mãos ao lado do corpo e se odiou por ter tirado o casaco. Apesar do calor que começava a esquentar sua pele, de repente via-se exposta de mais.

E mesmo não estando colado a ela, Ruggero estava perto o suficiente para deixá-la agitada.

─ Apenas relaxa. ─ Ele ousou sussurrar cobrindo os olhos dela com o tecido que se deitou sobre suas pálpebras como um carinho ameno.

Com gentileza Ruggero deu um nó no lenço atrás da cabeça de Karol, raspando os dedos nos cabelos da garota.
Uma brisa morna assoprou o perfume dela na direção dele e o fez respirar fundo, tomando uma ligeira distância.

Quando o mundo ficou totalmente escuro, Karol sentiu o corpo titubear.

Sua coordenação motora não parecia estar das melhores.

Ela mexeu os braços, apoiando-se no vento e quase cambaleou; no entanto, Ruggero a segurou pelo cotovelo, equilibrando-a.

Com um murmúrio a menina o agradeceu.

─ É isso. Agora... ─ Lili puxou Ruggero gentilmente para frente de Karol, colocando-os cara a cara com alguns poucos palmos de distância. ─ Ergam as palmas viradas na direção do colega... Isso. Assim mesmo. Depois... Encoste-as. Vocês precisam sentir o calor do outro, a energia que vai interligá-los e, desta forma, a confiança vai surgindo.

Não havia nada que pudesse ser comparado à força com a qual o coração de Ruggero bateu. Em um determinado momento ele chegou a cogitar que algo de errado estivesse acontecendo; como se fosse perder o controle até da própria respiração. Nada parecia adequado. Seu corpo todo estremecia.

As mãos dos dois se encostaram e por mais que já tivessem experimentado muito mais intimidade do que aquela; subitamente foi como se fosse a primeira vez que se tocavam.

E naquele momento uma corrente de fogo riscou os mundos deles, alastrando-se como uma espiral através de seus nervos, músculos e articulações, desembocando na boca do estômago.

Karol quase recuou. A escuridão que antes tampava sua visão tornou-se um céu estrelado que espocavam pontos de luz.
Sem enxergar, todos seus outros sentidos se apuraram.

O perfume de Ruggero se tornou inebriante e o calor do toque dele era mais do que ela queria suportar depois de tantos dias de afastamento.

─ Isso não vai funcionar! ─ Ela guinchou de súbito, desvencilhando-se dele e arrancando a venda dos olhos.

A Marca dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora