DEZESSEIS

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Karol nunca esteve tão feliz com o horário do trabalho quanto naquele dia. Ela já não conseguia mais ficar em casa com Agustín a enchendo de perguntas sobre o que havia acontecido e nem ficar olhando para o rosto contraído de Raziel, que apesar de não dizer nada que pudesse ferir a irmã, ainda assim, deixava claro que algo o incomodava.

A garota sabia que o irmão tinha razão. Raziel temia pelo o que podia acontecer se o beijo evoluísse para algo muito mais forte, sentimentalmente falando.
E caso isso viesse mesmo a acontecer, talvez todo o esforço que vinham fazendo caísse por terra sem nenhum tipo de importância.

Seria um tiro no próprio pé.

Dessa maneira Raziel se tornaria um caído e Karol nunca mais veria Hugo.

Além do mais, Mabel e Ruggero teriam seu destino mais uma vez ceifado maldosamente.

Muitas pessoas sairiam feridas.

Vale mesmo à pena? Karol se perguntava enquanto vestia o avental da cantina Vietto. Será que já não basta o inferno em que Ruggero vive? E a morte do Lionel? E todo o sofrimento que recairia sobre a cidade se uma tragédia viesse a acontecer?

─ Ei, sumida! ─ Michael pousou a mão no ombro dela, assustando-a.

Karol estremeceu, tomando distância, esbarrando as costas no escorredor de pratos em cima da pia.

─ Nossa! Eu nem te vi, Mike.

─ Parecia que você estava em outro mundo. E eu até entendo, sabe? Essa morte do Lionel pegou todos de surpresa. Acho que ninguém vai parar de pensar e de falar nisso tão cedo. Foi um baque.

A menina assentiu.

─ Nem imagino como os pais dele devem estar.

─ Acho que por mais que um pai e uma mãe amem seus filhos, eles sempre sentem quando algo de errado acontece, principalmente se o filho for envolvido com tantas coisas erradas como o Lionel era.

Karol se encolheu por dentro, lembrando da cena da discussão que tiveram.

Foi ela que o matou, e não seus vícios e problemas.

Foi ela, apenas ela, a culpada.

─ Mike... O que você pensa sobre tudo isso? Acha que... Que o Lionel vai ficar bem? Digo, mesmo morto... É... Quer saber, deixa. Deixa pra lá. Eu estou muito... Muito confusa, são muitos pensamentos e...

─ Eu entendo você. ─ Carinhosamente, ele afagou o ombro dela, com um meio sorriso nos lábios. ─ Algumas pessoas se impressionam muito com a morte. A minha mãe é assim. Ela até fica dias sem dormir quando alguém próximo falece. Mas sobre a pergunta que você me fez, é difícil saber. Só morrendo para entender como a morte é, mas se posso te aconselhar a algo é que, numa boa, tenta distrair a cabeça. Não há nada que ninguém possa fazer mais.

Para começo de conversa, Pensou ela, eu poderia nem tê-lo assassinado.

─ Acho que você tem razão. ─ Optou por dizer, apanhando o caderninho de pedidos que estava sobre uma mesa pequena próxima a pia. ─ É melhor ir trabalhar. O salão hoje está cheio.

─ Concordo! Ah, depois eu quero conversar com você.

─ Certo. Pode ser depois do expediente? Não quero levar bronca do Gastón. Já faltei ontem e se eu me atrasar hoje... Enfim, você o conhece.

─ Tranquilo, vai lá. Depois a gente se fala.

Assentindo, ela se afastou. Karol cumprimentou alguns colegas de trabalho e respirou fundo algumas vezes antes de entrar no espaço onde ficavam as mesas. O falatório era muito, mas o assunto um só: A morte do garoto Lionel.

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