TRINTA E SEIS

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Ruggero resmungou por entre os dentes ao ouvir o chiado irritante do despertador do celular.

Não havia dormido muito. Na verdade, mal havia pegado no sono quando percebeu que já precisava levantar para ir ao colégio.
Ele tinha prometido a si mesmo que aguardaria acordado até que a vontade de desenhar viesse, pois assim poderia interceptar qualquer pista.

Seu foco era solucionar isso, já que todo o resto do trabalho estava por conta da Karol.

Apenas ela era quem podia achar uma forma de ajeitar tudo.

Mas até que ela descobrisse do que ainda precisava para ser ouvida pelo Pai, ele queria servir para algo, fosse o que fosse, mesmo que isso significasse noites não dormidas e cansaço excessivo.

Não importava. Sua coragem o movia.

─ Pai?! ─ Chamou vestindo uma camisa e bocejando. ─ Olha só, não finge que está dormindo não, porque hoje o café da manhã é por sua conta. Eu faminto!

O garoto se arrastou pelo quarto para buscar os chinelos e aproveitou para amarrar o cordão da calça que usava.
Fazia um friozinho, mas não o suficiente para fazê-lo vestir um casaco.

De alguma maneira boa parecia que talvez o sol fosse aparecer.

─ Pai! ─ Chamou de novo abrindo a porta do quarto. Já até podia imaginar Bruno se fingindo de surdo só para não ter que cozinhar. ─ Ei, escuta só, é o seu dia. Não venha me enrolar não. Eu tô com fome, pai!

Novamente o silêncio foi a resposta.

Esfregando os olhos ainda sonolento, caminhou a passos arrastados pelo corredor, passou pelo quarto do pai, mas a porta estava aberta como na noite anterior e a cama permanecia arrumada, como se nunca tivesse sido usada.

Por via das dúvidas Ruggero entrou no banheiro, mas tudo igual.

Não havia nenhum vestígio de que Bruno tinha passado por ali. E Ruggero sabia que sempre que o pai usava o banheiro acabava deixando alguma toalha molhada em cima da pia ou os chinelos dentro do box. Era uma mania.

Mas estava tudo como na noite passada.

─ Pai? ─ Indagou com a voz mais carregada de hesitação. ─ Pai, cadê o senhor? Pai?

Nada.

Nada.

Nenhuma resposta.

─ Pai, qualé, não tem graça, vai. Eu não tenho mais cinco anos para ficar com essa brincadeira de se esconder. ─ Ralhou com um sorriso falso nos lábios, andando pela sala em busca do violão, das botas ou até do casaco de Bruno.

Nada novamente.

Era como se de repente Bruno sequer existisse.

Com o coração acelerado o menino correu para a cozinha, mas pela centésima vez deu de cara com o nada.

Bruno não estava. Não estava em lugar algum da casa.

Atordoado, voltou para a sala e pousou as mãos na cintura, pensando.

Não queria se apavorar. Ele tinha consciência de que o pai poderia ter se atrasado, talvez pegado a condução que passava mais tarde, perdido alguma carona ou até ficado para comemorar com a banda o sucesso da noite.

Qualquer coisa era melhor do que inventar uma realidade onde as coisas estivessem desmoronando.

─ Está tudo bem... Está tudo bem... ─ Repetiu para si mesmo, retornando ao quarto.

A Marca dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora