QUINZE

415 68 577
                                    

Karol quis declinar sutilmente, levantar-se e ir embora sem olhar para trás, sem se importar com a missão que tinha e, mais importante, ignorando fortemente o arrebatamento que a vestiu dos pés a cabeça, traçando linhas sinuosas por sua corrente sanguínea, desembocando como um soco certeiro no coração. Era uma clara sinalização de que, por mais que quisesse, não ficaria imune.

O encostar de lábios foi tão sutil quanto o repousar das penas de suas asas ao cair no chão. O toque da boca dele era delicado, quente e lhe deu a sensação de que o mundo viria a baixo.

Por um segundo Karol apenas cedeu, inerte, sem nem respirar; contudo, uma de suas mãos se firmou no chão, em cima do carpete empoeirado, só para ter a certeza de que universo não estava se desintegrando, pois tamanha era a vibração que a fazia tremer completamente, especialmente quando Ruggero mergulhou as mãos em seus cabelos, trazendo-a para ainda mais perto, abrindo um singelo caminho por entre seus lábios para que suas línguas pudessem se sentir.

O garoto, por sua parte, não esperava que pudesse reagir assim. Não ela. Não. Ele mesmo. O próprio rapaz.
Afinal, sabia intimamente, jamais perdeu as estribeiras por uma mera desconhecida. Nunca quis tanto beijar alguém como queria beijá-la; e em momento algum de sua vida foi tão violentamente atraído por uma boca.

Ela falava, segundos antes, e ele quase salivava, atento até a respiração dela.

Ruggero sabia que havia dentro de sua cabeça uma confusão danada e mil e uma perguntas para fazer; porém, não era capaz de racionalizar enquanto os músculos de seu corpo inteiro trabalhavam para uma única função: beijá-la.

Já Karol, recobrando os sentidos entorpecidos pelo contato, empurrou o próprio tronco para trás. Ou melhor, ela quis fazer isso.
De certo modo, por mais que desejasse negar e trazer à tona toda sua indignação por estar fazendo algo muito errado, ela se pegou entregando-se aos poucos, esmorecendo nos braços dele, levando suas próprias mãos até o rosto de Ruggero, acariciando a pele morna dele, raspando a palma na barba por fazer que pinicava sutilmente, causando cócegas.

─ O que foi? ─ Ruggero sussurrou com os lábios ainda rentes ao dela. Ele a sentiu estremecer contra seu corpo. ─ Você quer que eu pare?

Karol respirou pausadamente, encontrando por uma fresta entre os cílios o olhar do rapaz.

─ Só estou... Nervosa.

Ruggero riu, dando-lhe um delicado beijo, depois se afastou, mas bem pouquinho.

─ Beijo tão mal assim?

Isso a fez rir, mesmo que parecesse um riso de desespero.

─ Não tive muitos beijos na minha existência.

─ No entanto... ─ Curvando-se, Ruggero a beijou de novo e de novo, por fim, afastando-se, disse: ─ Beija muito bem. Acho que nunca...

Nunca beijou um anjo. Karol pensou, rindo pra si mesma.

─ Talvez seja a hora de voltarmos. ─ Murmurou ela, lutando contra sua própria vontade.

Ruggero, no entanto, segurou-lhe a face cor de marfim, mas que estava completamente corada.

A sorte dela era que ele não conseguia perceber, por causa da baixa iluminação.

─ Obrigado.

─ Obrigado?

─ Por estar aqui. Por ter vindo comigo e, claro, por ter me salvado. Isso eu nunca poderei te pagar.

Karol, atrevendo-se a não ouvir todos os ensinamentos pelos quais já havia passado, ergueu a mão lentamente, passando a ponta dos dedos pela lateral do rosto dele. Ruggero fechou os olhos e sentiu, sem relutância alguma, como o toque dela era frágil, quase imperceptível a menos que pusesse toda a sua atenção ali.

A Marca dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora