QUARENTA E SETE

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MESES ANTES...

Karol se acomodou rente ao corpo de Hugo, deitando a cabeça sobre o peito do rapaz, enquanto ele lia para os dois um poema novo que havia escolhido especialmente para recitar naquele passeio.

O dia estava fresco, algumas nuvens apenas, o sol brilhando.

Estavam em um jardim enorme de uma mansão antiga, poucos quilômetros ao sul de Porto de Pedras, aonde viria a ser a futura moradia da garota que ainda nem imaginava o que o destino lhe guardava.

Naquele dia, meses antes de sua vida virar de ponta-cabeça, Karol só tinha Hugo e um amor profundo que a fazia sorrir como uma boba, escutando bem caladinha a voz dele proclamar o poema com a entonação perfeita, demonstrando todo a paixão que sentia pela leitura.

Hugo era um eterno apaixonado pela literatura, independente do país de origem do autor.

Dessa vez, os dois embarcavam em um poema alemão.

─ Atroz é uma palavra estranha, não é? ─ O rapaz comentou no meio da leitura, refletindo. ─ Atroz. Certeza que é sinônimo de coisa ruim. Pena que  eu não trouxe o meu dicionário.

─ Significa perverso, desumano, intolerável, pungente... Mas no contexto do que você leu, acredito que caiba encaixar no sentido de perversidade mesmo. ─ Ela explicou.

O rapaz estalou a língua e cutucou a barriga dela, fazendo-a sentir cócegas.

─ Exibida! Só porque estava lá quando criaram o dicionário fica aí se achando.

─ Está me chamando de velha?

─ Estou te chamando de...

─ Vê lá o que você vai dizer, hein? Posso ser velha, mas tenho força.

Rindo, ele a derrubou sobre a grama, rolando para cima dela, deixando o livro de lado.

─ Nem precisa me ameaçar, eu me rendo!

Karol riu alto, deixando que Hugo a beijasse rapidamente.

Os olhos dele refletiam o amor que sentia quando se desvencilhou.

─ Sabe... Esse poema que você escolheu é bem pesado.

Ele se esticou e pegou o livro, voltando a se deitar do jeito de antes.

─ Caim e Abel. Esse é o tema central do poema. A traição entre irmãos.

─ O irmão pronto para apunhalar o outro pelas costas. Que triste! ─ Ela comentou se sentando, estreitando um pouco os olhos por causa do sol. ─ Imagina que horror ser traído justamente por um irmão? O sorriso atroz sempre ali, o amor que é como uma folha seca sendo levada pelo vento... Deve ser terrível.

Hugo suspirou pesadamente, concordando.

─ Deve ser terrível qualquer tipo de traição. Mas quando envolve família... Isso é pior. É dor em dobro.

─ É um poema para nunca se esquecer. ─ Ela refletiu. ─ E para nunca se desejar viver algo assim.

─ Ora, nem há porque pensar nessas coisas. ─ Hugo retrucou, rindo. ─ Seus irmãos são anjos! Qual seria a traição que viria deles? Roubar uma pena das suas asas e tentar camuflar entre as deles?

Karol riu, mas logo se policiou. Era maldade!

Contudo, logo em seguida desatou a rir de novo, porque Hugo não parava de fazer isso, zombando dela, alfinetando a pureza que habitava no coração de seus irmãos que estavam no céu; olhando por eles.

A Marca dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora