TRINTA E OITO

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Karol perdeu o rastro de Hugo poucos metros antes de ver por entre as gotas de água que caiam do céu e molhavam a manhã, o corpo de Ruggero jogado no chão, perto da estrada, com as pernas e os braços amarrados, a barriga para baixo e o rosto virado de lado, na lama.

Um grunhido de desespero rasgou a garganta dela quando começou a correr, escorregando aqui e ali, mas conseguindo manter o equilíbrio necessário para chegar até o rapaz e chamá-lo aos berros, rezando para não ter chegado tarde demais.

─ Ruggero? Ruggero, responda! Abra os olhos, por favor!

A chuva lavava copiosamente o sangue que escorria de um buraco aberto na lateral da barriga dele, mas o liquido vermelho não parava de jorrar para fora, deslizando pelo lamaçal, formando uma poça de água suja embaixo dele.

─ Ruggero, sou eu, meu amor. ─ Karol choramingou, virando-o de barriga para cima, com as costas sobre o chão irregular. O rosto dele não parecia dar sinal de que estivesse vivo. Estava pálido, com os lábios arroxeados e com um dos olhos muito inchado. Mas a menina insistiu: ─ Ruggero, ei... Ei, por favor... Olha pra mim. Acorda! Acorda, por favor!

Já ajoelhada ao lado dele, abaixou a cabeça, encostando-a sobre o peito esquerdo do rapaz.

Karol quase chorou de alívio ao notar que o coração dele ainda batia.

Fraco, mas batia.

─ Eu não vou desistir de você. ─ Sussurrou perto do rosto dele, beijando-o nos lábios feridos, nas bochechas avermelhadas e manchadas de sangue. ─ Não há a menor possibilidade de existir um mundo sem você no qual eu viva. ─ Retirando a mochila que trazia nas costas, ela chegou ainda mais perto, passando o braço por baixo do pescoço do menino, erguendo o tronco dele como se fosse sentá-lo. ─ Eu só preciso que seja forte. Que acredite no meu amor por você. Por favor, Ruggero.

Apesar da dor forte que se ramificava por cada órgão seu tornando sua respiração quase impossível, o garoto murmurou algo por entre os dentes e forçou os olhos até abri-los, percebendo que dessa vez não estava mais amarrado, contudo, ainda lhe custava mexer os membros.

Tudo latejava e queimava, principalmente a barriga.

Confuso, engoliu em seco e virou um pouco a cabeça, encontrando um par de olhos verdes angustiados lhe fitando.

─ E-eu... Morri? ─ Sibilou quase sem mover os lábios.

Karol abanou a cabeça, sorrindo apesar do medo.

─ Isso não vai acontecer tão cedo, meu amor.

Ruggero bateu os cílios, tentando ficar acordado, mas uma fraqueza muito grande lhe fazia querer desistir, entregar-se de uma vez.

─ Não suporto... ─ Sussurrou com os olhos se fechando. ─ Deixe-me aqui... Não adianta mais. E-eu n-não... Não consigo.

─ É claro que consegue! ─ A menina guinchou preocupada, olhando em volta. O temporal se alastrava por todos os lados, dificultando a visão dela. ─ Não. Não durma, por favor. Não pode dormir. Olha, escuta, não estamos nem um pouco longe da cidade. Tem um hospital muito perto. Eu vou te levar até lá. Eles vão curar você. Apenas mantenha-se acordado, por favor. Não durma!

Sabia que se ele adormecesse as chances seriam quase nulas de se acordar.

Ruggero grunhiu quando mais uma pontada de dor lhe atravessou.

Ele tinha a sensação de que seus órgãos estavam boiando em sangue. Mas não um sangue qualquer. Um sangue ácido que ia dilacerando um por um, dissolvendo cruelmente suas chances de usá-los para se manter vivo.

A Marca dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora