QUATORZE

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Agustín checou o e-mail pela terceira vez, mas não havia um pedido sequer de seus clientes mais fiéis, o que queria dizer que ele não tinha trabalho a fazer. Isso lhe fez praguejar baixinho e abaixar a tampa do notebook com certa força, irritado.

Não que falsificar documentos fosse o trabalho mais rentável, porém, não podia reclamar do quanto lucrava. O problema era que como havia sumido do bairro, aparecendo lá apenas para buscar as coisas, mas indo embora depressa, acabou não falando com seus contatos. E perder aqueles tipos de clientes era um caminho sem volta.

Logo acham que ele está envolvido com a polícia e o deixam de mão.

Ajudo os outros. Mas quem me ajuda?

Bufando, ele se levantou e caminhou até a janela, fitando o céu nublado.

Queria voltar para casa, queria se esquecer de toda essa história e desaparecer da vida dos irmãos celestiais, contudo, sabia que se fizesse isso jamais ficaria em paz, principalmente porque via como os dois estavam perdidos.

Não que ele se achasse de grande ajuda, mas tinha disposição para auxiliar.

Brigar com trombadinhas e drogados? Ok. Levar um peteleco de anjo e morrer? Hum, quem sabe.
Que belo destino me aguarda!

─ Agustín?

Com um longo suspiro o rapaz se virou, espreitando o menino que ia entrando na sala vestido com uma de suas camisas que quase lhe alcançavam os tornozelos pequenos e delicados.

─ Pensei que ainda estava dormindo.

─ Eu não consigo dormir muito. Nós, anjos, não precisamos dormir. Aqui na terra isso muda um pouco por causa desse corpo que precisa de descanso, mas nada que me faça adormecer pela noite inteira como vocês, os humanos.

─ Por mim eu dormia e nem acordava mais. ─ Agustín murmurou se sentando no sofá, desistindo de pensar sobre uma vida fora da realidade na qual se enfiou. ─ Sabe, muitas vezes eu pensei em me entregar pra polícia de uma vez, falar sobre as falsificações que fiz e pagar pelo o meu erro. Mas... Sei lá, sempre achei que a minha vida seria uma merda na cadeia. Porém, olha onde eu estou agora!

─ Pelo menos não está na cadeia. ─ Raziel ponderou, puxando uma cadeira para se sentar e constatando que era muito pesada para os seus braços minúsculos.

─ Quer ajuda?

─ Não. Não quero ajuda. ─ O anjo balbuciou desistindo. ─ Não acredito que sequer posso como uma mísera cadeira! Se as minhas asas estivessem aqui...

─ Mas você não tem a mesma força que a Karol?

─ Era o que eu pensava também, mas pelo visto faz parte do meu castigo ir perdendo as forças. ─ Bufou, contrariado. ─ O Pai certamente acha que já estou pagando pouco pelo o meu erro.

Agustín cruzou as pernas, estudando a face contraída do menino que tinha um vinco bem visível na testa.

─ Porque ajudou o Ruggero se sabia que isso poderia te prejudicar? Porque não deixou que ele morresse e seguiu com a sua vida normalmente? Sabe, não era problema seu. Você só tinha que fazer o seu trabalho.

Raziel cruzou os braços e se escorou à parede empoeirada, fechando os olhos e depois abrindo-os com um certo pesar.

Não que não pensasse sobre isso, mas sempre preferia guardar para si.

─ A minha irmã estava perdida sem o Hugo. ─ Começou à meia voz. ─ Ela não ia aguentar ficar aqui na terra sozinha, sem uma missão, sem uma maneira de encontrar o caminho de volta para casa. A Karol sempre fez parte da casta mais importante dos anjos, está acostumada a ter sempre alguém por perto, a ser amada, respeitada, mas nunca sozinha. E eu tinha que cuidar dela.

A Marca dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora