QUARENTA E SEIS

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O sol que outrora ousou aparecer sobre Porto de Pedras sumiu tão logo a chuva abriu caminho, derramando-se sobre aquela manhã que escurecia como a noite, assustando os moradores da cidade, que pouco entendia a mudança tão brusca na temperatura.

Com o corpo completamente molhado, Karol cruzou as ruas, marchando decididamente da casa de Pietro até o prédio imponente da escola, olhando vez ou outra para cima, certificando-se de que aquelas súbitas sombras não eram uma miragem criada por sua cabeça, mas sim resultado da tempestade nefasta que rasgava o ar.

Seus ossos sacolejavam dentro da carne de tanto frio, então ela abraçou o próprio corpo, porém não fez muita diferença.

Assim que chegou à frente do colégio, percebeu que muito provavelmente a reunião de mestres havia acabado, pois nenhum carro estava estacionado por ali. Então, olhou em volta, aproximando-se do cadeado, forçando-o um pouco até ouvir um estalo, quebrando-o.

Empurrou os dois lados dos portões, ouvindo-os rangi baixinho.

Ao entrar, fechou o ferrolho, checou a rua mais uma vez, mas novamente percebeu que a quietude era sinal de que a cidade continuava enfurnada em seus trabalhos do dia a dia, pouco se importando com uma aluna invadindo a escola.

Ao virar-se, deu de cara com os jardins vazios, o pátio limpo e úmido.

Olhou para a guarita, mas o porteiro não estava.

Melhor assim, Karol pensou.

Adiante, subiu os degraus. Assim como o portão, as grandes e pesadas portas de madeira da entrada estavam trancadas, todavia também não foi sacrifício algum forçá-las até abri-las, deixando os dois lados penderem para dentro, batendo contra a parede, fazendo a sombra dela se refletir no chão impoluto.

─ Até parece que é a primeira vez que fazemos isso. ─ Murmurou olhando em volta, esquadrinhado tudo, desde os bancos de cimento postos ali até a escadaria que levava até o segundo andar.

Respirando fundo, entrou de uma vez.

Seus pés molhados deixavam poças de água pelo caminho.

Suas roupas pingavam, assim como os cabelos, arrepios tomavam sua nuca a cada relâmpago que cruzava o céu e iluminava os corredores, transpassando os vidros das janelas, deitando-se sobre os pisos e as paredes.

Os desenhos estilo catedrais do teto pareciam observá-la. Pequenos e delicados anjos com olhos que a seguiam para onde fosse.

Karol grunhiu descontente, entrando em outro corredor vazio.

─ Por quanto tempo mais você vai se esconder?

Mais silêncio. Contudo, a garota vislumbrou uma sombra se esgueirando no fim do corredor quando outro relâmpago encandeou através das janelas.

Andando mais depressa, quase correndo na verdade, Karol conseguiu praticamente alcançá-la, mas acabou perdendo o rastro de novo, girando nos calcanhares para olhar em volta, tentando decidir para qual lado ir.

A escola era enorme, cheia de corredores e salas.

Seus cabelos batiam contra as costas e uma mão gélida parecia apertar seu peito.

Puxando o ar com toda a força que tinha, virou o pescoço, captando um movimento periférico.

─ Seu forte nunca foi leitura acadêmica. ─ A menina murmurou, seguindo para onde sabia exatamente que a sombra iria. ─ Eu ainda consigo me lembrar das suas coleções românticas que te faziam se empoleirar na mesinha do meu quarto para ler até altas horas...

Parou em frente à porta da biblioteca – que estava aberta, coisa que ela já esperava.

Entrou bem consciente do que poderia vir.

A Marca dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora