TRÊS

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A luz florescente acoplada ao teto encaixotado da lanchonete refletia solenemente nas duas pedras amendoadas que eram os olhos de Ruggero, conferindo a ele uma espécie de ar misterioso, mas não menos zombeteiro.
Como se as suas verdadeiras intenções estivessem submersas no mar negro do seu sorriso soberbo.

Karol se empertigou, agoniada.

Ela pensava em mil respostas que poderia dar, mas preferia guardar os palavrões para um momento realmente necessário.

─ Eu posso pedir que o senhor se retire da lanchonete. ─ Resolveu dizer, mas disse por entre os dentes, com o coração batendo nos ouvidos, na garganta, nos punhos. Em todos os lugares, menos no peito. É como se a irritação lhe fizesse quase explodir.

Já ele, ainda achando engraçado, se prostrou mais ainda para frente, apoiando os cotovelos na mesa.

─ Mas eu sou um freguês e dizem por aí que o cliente sempre tem a razão. Principalmente se o cliente não deixou a garçonete cair da escada e rachar a cabeça ao meio.

Emudecida por ter sido praticamente atirada à lembrança mais vergonhosa de seu dia, Karol retesou o corpo inteiro, sentindo a tensão se acumular nos ombros, descendo pelos braços e o resto do corpo.

Ele não só se lembrava da quase-queda dela, como de todo o resto e parecia disposto a não deixar o tal assunto morrer.

Imediatamente Karol sentiu raiva pelo descuido.

Ela precisava passar despercebida e não cair, literalmente, nos braços dele.

─ Hummm... ─ Alfonso balbuciou com malícia, chegando mais perto da beirada da mesa e, consequentemente, da garçonete. ─ Parece que há uma história aqui... Que tal dividir conosco, hein? Não somos ciumentos e não nos importamos em compartilhar...

Karol, ofendida, afastou a mão dele com um safanão antes que encostasse em sua coxa, então deu outro passo para trás.

As lágrimas subiam e lutavam para cair, mas ela as prendeu.

─ Se vocês não vão pedir nada, por favor, retirem-se agora!

─ Calma, menina. Até parece que viu o demônio. ─ Era Lionel. Ele umedeceu os lábios lentamente, fitando-a. ─ Chega mais perto, vai. A gente não morde.

─ A não ser que você queira. ─ Breno endossou aos risos.

Ruggero pigarreou alto, percebendo que os amigos já estavam indo longe na brincadeira.

─ Beleza, parou. A menina tá ficando verde.

─ Verde? Não tem problema, eu espero amadurecer. ─ Lionel rebateu olhando-a de baixo para cima, estacionando os olhos na altura dos seios da moça.

Karol soltou o ar com toda a força que tinha sem conseguir mais domar a raiva que ia comendo-a por dentro.

─ Eu não lhe dei nenhuma abertura para que tirasse esse tipo de liberdade comigo, entendeu? E isso serve para todos! Eu não permito que falem comigo assim e se não pararem...

─ Shiu! ─ Lionel saltou da cadeira, espreguiçando-se, mas sem deixar de olhá-la. ─ A gente está de boa. Relaxa, nunca brincaram com você, não? Que mau humor!

Ruggero, que conhecia perfeitamente o amigo, se levantou também, pousando as mãos sobre o tampo da mesa e mantendo os olhos no rapaz loiro que não parecia disposto a parar com a zombaria.

Já os gêmeos e Alfonso, assistiam com expectativa, esperando o melhor desfecho – o mais satisfatório em todos os sentidos.

─ Não é mau humor, rapaz. ─ Karol revidou no mesmo tom sem realmente se importar que muitos pares de olhos estivessem voltados para a pequena confusão que se iniciava. ─ Apenas há algo chamado "respeito" e, talvez no seu mundo esteja extinto, mas no meu ainda existe e eu prezo muito por isso. Portanto, exijo que me trate com a mesma cordialidade que eu sempre lhe tratei.

A Marca dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora