A Marca da Morte - Prólogo

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MESES ANTES

Um dia o Hugo, meu namorado, me mostrou naquela máquina estranha que chamam de computador os dados em tempo real de quantas pessoas há no mundo, quantas estão nascendo naquele exato momento, quantas morreram só naquele dia e o total de mortes do ano inteiro.

Lembro que meus olhos vagaram por aquela tela colorida com um espanto aceitável. Eu tentava acompanhar as mudanças dos números, mas era impossível. O mundo simplesmente não para. Ele não para nunca.

Em um segundo muitas coisas podem acontecer. Uns nascem, outros morrem. É assim que é.

E agora, de um jeito mórbido e assustador, o meu Hugo faz parte das estatísticas.

Hugo Benavedas, um rapaz bom, trabalhador, estudioso, lindo e sagaz. O meu amor. Meu único e verdadeiro amor. A pessoa que me faz deixar tudo para trás, desafiar céu e inferno; ele se foi.

Meu Hugo morreu.

Eu o matei. A minha simples existência o matou.

Eu não estou naqueles dados do computador, porque eu não existo como os outros existem.

Eu não era real até que me apaixonei por ele.

Foi o amor daquele rapaz que me fez gente. E agora que ele se foi, o que será de mim?

Não dá para viver assim... Ninguém vive sem amor.

─ Karol?

Ainda abraçada ao meu próprio corpo humano, eu me viro, deslizando levemente na areia úmida do cemitério no qual estou.

A mãe do Hugo não quis que eu fosse ao velório, ela nunca gostou de mim.

Essa garota é encrenca. Dona Lô dizia. E estava certa.

─ O que está fazendo aqui? ─ Pergunto com a voz embargada ao homem parado acima de uma lápide, trajando um sobretudo cinza por cima de seu macacão branco impecável.

Ele plana suavemente no ar, então pousa no chão, enterrando os pés descalços na terra.

─ Eu fiquei sabendo do Hugo. Sinto muito, irmã.

Observo - com certa inveja, admito - as suas perfeitas asas douradas. Por um segundo sinto uma falta absurda de casa, dos meus outros irmãos, do Meu Pai.

─ Não precisa mentir, Raziel.

Ele é maior do que eu, apesar de ser um pouquinho mais novo.

Raziel é praticamente o caçula da família, muito embora já deva ter alguns milhões de anos nas costas, assim como todos nós.

Sua face é plácida, bonita e corada. Seus cabelos negros balançam para os lados pela ventania que faz no cemitério.

─ Você sabe que eu não minto. Não minto nunca.

─ Ah, mas não acredito que esteja aqui para me dar os pêsames, não é? Você deve estar se coçando para dizer que me avisou, que o meu erro é irreparável e que o Hugo pagou pela minha desobediência ao Pai. Ótimo, mas eu já sei de tudo isso.

─ Me coçando? Como assim?

Estalo a língua e dou de ombros.

─ É uma expressão que os humanos usam por aqui. Eu aprendi há pouco tempo. É tipo... Como se você estivesse se esforçando muito para segurar algo que está louco para dizer.

Vejo o ligeiro rastro de entendimento em seu rosto.

─ Pelo visto você já se adaptou bem aqui embaixo.

A Marca dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora