7.3 - Chuva

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24.05.2020

Bem, os quinze dias se transformaram em uma quarentena e o surto de doença em um país se espalhou para o mundo todo, nos presenteando com uma fodendo pandemia. Sim, uma pandemia. Uma pandemia. Uma pandemia como a da gripe espanhola, da peste negra e tudo mais, mas a diferença é que eu nem sonhava em existir quando todas elas aconteceram, e agora eu estou trancada com meu namorado no meio do nada em uma cidadezinha de Ohio.

Não se engane com meu tom indignado, porque a última coisa que eu estou é aborrecida com esse fato. Eu não poderia estar em um lugar melhor em um momento tão terrível. Paramos de ligar a televisão quando os números de óbitos começaram a aumentar sucessivamente a cada dia, cada vez maiores e mais preocupantes, e isso estava atacando a ansiedade do Colson. Quando ele está prestes a ter uma crise, deitamos na grama do jardim e ficamos até ele se sentir melhor, ou vamos para o studio que improvisamos em um surto de tédio em uma tarde chuvosa, e gravamos alguma coisa. Saímos de vez em quando para o mercado ou buscar alguma coisa no correio que compramos na internet para saciar nossa obsessão por algo aleatório. Resumindo, estamos apenas sendo consumistas e impulsivos.

— Ainda tem tinta azul?— Colson pergunta do sofá com o notebook sobre o colo, em algum site de compras.

— Só um segundo. — enfio a forma de pão de banana no forno antes de abrir nosso armário de tintas, pincéis e argila que usamos para fazer canecas e o que mais pensarmos. — O azul marinho acabou, o celeste ainda tá na metade e o turquesa também.

— Ah, sim... Vou comprar mais uma caixa. — diz sem nem desviar os olhos da tela, apenas enviando a compra pro carrinho.

— Olha, amor — resolvo dar um fim no nosso consumismo desenfreado. Sento-me ao seu lado e retiro o notebook do seu colo. —, não podemos continuar comprando tantas coisas sem elas ao menos acabarem. Lembra que você começou comprando só algumas gramas de argila, e agora temos dez quilos e nem estamos perto de acabar?

— Lembro, lembro, sim. Mas qual o problema?

— O problema, Colson, é que daqui a pouco essa pandemia vai acabar e você vai esquecer essas coisas. — passo meus dedos por seu cabelo, com sua cabeça deitada no meu braço para me olhar. — Não é melhor esperar essas coisas acabarem primeiro antes de comprarmos outras?

— Se você acha. Quero ver que cor vai fazer o céu, agora.

— Você literalmente só precisa misturar branco e azul.

Discutimos mais um pouco até seu telefone tocar e nos interromper. Antes que eu pudesse pegar para entregá-lo, o dono agarrou e levou a tela contra seu peito, o que fez uma das minhas sobrancelhas se erguer subitamente, desconfiada.

— Por que eu não posso ver quem é?

— Mas você pode. — ele disse se levantando. Ao que o aparelho vai em direção à sua orelha, ele se afasta.

— Então por-

— Makena, eu tô no telefone agora. — me corta indo para a varanda.

— Rude. — reviro os olhos e volto para a cozinha.

Colson demorou alguns minutos no lado de fora falando com alguém que não faço ideia de quem seja porque estava sentada em frente ao forno olhando o pão aumentar na forma, concentrada mas não o bastante para não o ver tentando sair de fininho.

— Vai aonde?— pergunto sem desviar os olhos. Essa é a coisa mais interessante que faço em semanas.

— Comprar um peixe.

— O que-

Antes que eu pudesse ao menos terminar minha pergunta, a porta foi fechada e antes que eu pudesse chegar na porta, seu carro saiu cantando pneu.

𝒍𝒐𝒗𝒊𝒏𝒈 𝒊𝒔 𝒆𝒂𝒔𝒚 - 𝕄𝕒𝕔𝕙𝕚𝕟𝕖 𝔾𝕦𝕟 𝕂𝕖𝕝𝕝𝕪Onde histórias criam vida. Descubra agora