0.2 - Analgésicos

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Com as energias esgotadas graças a uma extensa lista de coisas — dentre elas cansaço emocional —, acabei cochilando no sofá por um bom tempo, visto que já é noite. Hora do jantar.

— Noah, vai querer o que pro jantar? — grito, mas, como não escuto resposta, me arrasto até o quarto do garoto. — Noah, tá sur...? — me interrompo assim que não vejo o garoto deitado em sua cama jogando um de seus videogames de bolso. — Merda! Eu já perdi o moleque!— praguejo pra mim mesma e corro para calçar meus chinelos e ir atrás do garoto.

Desço correndo pelas escadas do nosso prédio, cumprimento o porteiro e saio tropeçando na porta.

— Caralho! Inferno!— xingo, puta com um objeto inanimado.

— Makena, cê tá bem?

Ergo meus olhos e vejo meu irmão com seu skate debaixo do braço, são e salvo e na companhia de uma garota, que deduzo ser Casie, e um adulto alto de cabelos descoloridos — que de primeira pareceu agradável aos olhos —.

— Seu moleque! Onde você tava?!— desço as escadas até a calçada, correndo para deixar um tapa na cabeça do garoto. — Sabe que horas são?!— pergunto, mesmo sem saber.

— Sete da tarde, eu sempre chego a essa hora. — responde óbvio. — Tava dormindo?

— Não vem ao caso! Você não disse que horas voltaria!— contra argumento, tentando pôr minha negligência em outra pessoa.

— Se eu tivesse dito você teria olhado o relógio?— debocha, sacando meu plano.

— Moleque abusado!— desfiro outro tapa em sua cabeça. — Tá de castigo!

— Mamãe não te deu o direito de me colocar de castigo sem consultar o papai, sua tirana!

Inspiro profundamente com o argumento dele, me segurando para não me estressar seriamente com o pirralho. Ele ergue as sobrancelhas e os ombros debochadamente.

— Poderia ter me ligado. — um arrepio percorre minha espinha no momento em que escuto o timbre grave do desconhecido. — Eu teria trazido ele mais cedo.

Jesus, que homem abençoado., divago analisando os detalhes de seu rosto, os olhinhos azuis, a barba e sobrancelhas loiras como o cabelo, os lábios finos e os ossos salientes do rosto. Sua regata branca, calça e camisa de mangas curtas e pretas, lhe davam um ar sexy e maduro com seus braços cobertos por tatuagens estarem expostos, como se tudo ali tivesse sido milimetricamente calculado para arrancar suspiros de qualquer um que tenha visão. Uma verdadeira obra prima esculpida por gregos antigos. Pena que nunca vou ter chance.

— Ele não avisou que tinha o seu número. — minto, tentando não parecer tão ridícula quanto já pareço. Passo meu braço ao redor dos ombros do garoto, preparada para tapar sua boca a qualquer momento.

— Eu avisei si...

— Shhhh! Cala a boca. — dou um leve tapa em sua boca, sentindo ele pisar fracamente no meu pé como resposta.

— Se você estiver com o celular aí, eu anoto agora. — propõe.

Tateio os bolsos do meu short e, pela primeira vez que eu preciso realmente, meu telefone não está comigo. Eu sou uma fracassada, mesmo. Quando eu terei a chance de ter o número desse homão no meu telefone, de novo?

O universo é tão babaca.

— Eu esqueci lá em cima.

— Tudo bem, sua mãe tem anotado em algum lugar. — dá de ombros, displicente.

Ficamos em silêncio por um momento, até que a garotinha simpática se apresentou pra mim.

— Oi, eu sou a Casie. — me oferece um sorriso.

— Makena. — tento soar tão simpática quanto ela e sorrir, mas eu acabei de acordar e nem joguei uma água no meu rosto pra me despertar 100%, então provavelmente fiz uma careta sonolenta em vez de um sorriso.

— Não fala com ela. — Noah repreende a garota, humorado.

— Tem medo que eu roube sua amiga?

— Vai sonhando. — rebate. — Até amanhã, Casie. — acena para ela. — Até amanhã, Sr. Baker. — eles fazem um toquinho e o mais velho sorri pela primeira vez. E que sorriso.

— Colson. — corrigi. — Até amanhã, Noah.

Ele fica mais bonito bem humorado, com certeza., meu subconsciente comenta o óbvio e me pego quase babando nos dentes perfeitos, olhos azuis e fios descoloridos.

— Makena. — acena com a cabeça ao perceber meu olhar e põe a mão no ombro de sua filha.

— Vamos, tá me envergonhando. — Noah murmura baixo o suficiente para que só eu ouvisse, então agarra meu antebraço e me puxa levemente, me despertando.

— Prazer. — é o que eu consigo dizer antes dele nos dar as costas com Casie, que levava uma bicicleta ao seu lado.

— Tinha baba nos sapatos dele, Makena!— Noah reclama indo na frente.

— Deus! Ele é solteiro?— vou atrás do garoto.

— Fica longe dele! Não vai estragar minha amizade que nem fez com o Bob.

— Fazer o que se o Bob era um encapetado sociopata, e o pai dele era lindo?

...

— Acho que quero virar madrasta. — é a primeira coisa que digo quando entro na pequena farmácia do meu bairro.

— Já vimos que não deu certo da primeira vez, mas faz o que você quiser. — Pete responde do outro lado do balcão, sentado com os pés pra cima e lendo um gibi.

— Você sabe que eu insisto no erro pra ter certeza.

— Porra, mas no mesmo erro três vezes?— me olha.

Dou de ombros e apoio meus braços no balcão, de frente para o homem, lendo o título do quadrinho.

— Agora curte zombies?— aponto para as letras que indicavam o nome "The Walking Dead".

— Roubei de uma criança. — ele arruma o boné, dizendo aquilo como se fosse a coisa mais normal do mundo.

— Não sei o que é mais preocupante, você ter roubado isso de uma criança ou uma criança estar lendo isso.

— Viu? Fiz um favor a ela. — dá de ombros como se realmente acreditasse nisso. Eu apenas rio. — Seu irmão se meteu em outra briga?

É verdade que a maioria das vezes eu venho aqui só para comprar pomadas e band-aid para o garoto, mas hoje eu apenas quero conversar com a criatura mais besta e caótico que conheço.

Nego com a cabeça para a pergunta de Davidson, o que o faz erguer as sobrancelhas pretas, desconfiado.

— Quer analgésicos, é?

— Não!— nego e começo a rir de sua desconfiança. Quase todos procuram Davidson para isso.

— Sabia que algum dia iria querer ser minha garota. — brinca, o que me faz rir mais.

Me movo até o pote de canetas decoradas e começo a arrumá-las, ignorando os olhos de Davidson sobre mim, me analisando e tentando entender o porquê da minha presença sem fins sexuais ou medicinais.

— Só tá entediada. — deduz e se levanta para ficar em minha frente. — Chegou mercadoria nova. Quer arrumar nas prateleiras?

— Pode ser.

— Vou buscar. Quer fumar alguma coisa, mais tarde?— para na porta dos fundos, me observando dar de ombros. — Irra!

É claro que eu não vou fumar; eu tenho bronquite.

Pete volta com algumas caixas empilhadas e as larga no chão ao meu lado. Quando ele termina de trazer as coisas, abrimos as caixas e começamos a colocar cada coisa em seu lugar enquanto eu descrevia o físico do tal Colson.

— E ele tem um piercing no nariz, eu acho. — termino a descrição, vendo o olhar concentrado de Davidson do outro lado da prateleira. Eu sabia que ele não estava concentrado na arrumação, mas sim em tentar imaginar o individuo.

— Por que essa descrição não me é estranha?

𝒍𝒐𝒗𝒊𝒏𝒈 𝒊𝒔 𝒆𝒂𝒔𝒚 - 𝕄𝕒𝕔𝕙𝕚𝕟𝕖 𝔾𝕦𝕟 𝕂𝕖𝕝𝕝𝕪Onde histórias criam vida. Descubra agora