Um mal (não) visto

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Aquele par de olhos castanhos me perseguiam de um lado a outro na sala de reunião, me encarando no fundo da alma como se quisessem me fotografar; parece o início de uma canção do Jão eu sei, mas era só Marta me secando.

Era a primeira vez que estávamos nos vendo - pessoalmente - desde o ocorrido no meu apartamento, pensei que aquilo seria intimidador pra nós, mas não foi, não pra mim e ao julgar pela forma com que ela me encarava, também não foi pra ela.

Precisava me concentrar no que todas aquelas pessoas estavam falando sobre lucros e distribuição de produtos para poder fazer o relatório da reunião mais tarde, mas não conseguia me concentrar em mais nada além dos olhos de Marta me seguindo e analisando cada centímetro de mim milimetricamente. Ela também deveria estar prestando atenção, afinal aquilo era sobre a empresa DELA, mas acho que isso não fazia diferença pra Marta Goulart.

Quando a reunião se encerrou e todos desocuparam a sala ela permaneceu imóvel em sua cadeira, me olhando da mesma forma, enquanto eu juntava os papéis sobre a mesa onde eles escreveram suas ideias pra anexar ao relatório.

Ela inclinou a cabeça para a esquerda, enquanto esfregava as mãos uma na outra brincando com um anel no dedo do meio, continuei fazendo meu trabalho como se ela não estivesse quase me fazendo levitar.

Quando estava pronta pra me retirar da sala ela se adiantou e se colocou no meu caminho batendo a porta atrás de nós.

- Aconteceu alguma coisa?

- comigo não - neguei - porque a pergunta?

- Você não me olhou, não parou de mexer nesses malditos papéis, o que tem de errado?

- Esses malditos papéis são meu trabalho, assim como aquela reunião, e tudo isso aqui também são - fiz um gesto abrangente - o que queria que eu fizesse?

- Não precisa levar tudo tão a sério, aliás eu sou a sua patroa, sabe que não vou te demitir.

- Eu prefiro não arriscar, afinal não é só disso que se trata, eu gosto de fazer meu trabalho bem feito.

- E você está fazendo, eu que o diga - ela deu uma risada.

- O que deu em você? - perguntei - não ouviu uma só palavra daquela reunião, e agora tá aqui tentando me impedir de fazer o meu trabalho, tem alguma coisa errada.

Ela gargalhou alto, e por estar próxima o bastante, consegui sentir o cheiro familiar no seu hálito, cheirava a cerveja e das baratas.

- Você bebeu? - perguntei incrédula.

Ela sinalizou com os dedos fazendo um gesto mínimo.

- Só um pouquinho.

- Não pode trabalhar bêbada! Ficou maluca? Se algum dos funcionários descobre, ou se um desses caras engravatados percebe? Já pensou o escândalo que isso vai se tornar.

Ela deu de ombros e riu.

- Primeiramente não tô bêbada, só tô um pouquinho alterada, e tem mais, você acha mesmo que sou a única empresária que faz isso? A maioria dos meus colegas empresários tomam duas ou mais garrafas antes do dia começar, só assim pra tolerar toda essa baboseira.

- É mas não as segundas, pensei que fosse mais responsável, eu esperava mais de você.

- Vai me dar bronca agora? Só pra lembrar eu sou a patroa aqui...

- Eu só tô preocupada, sabe que me importo com você.

- É eu sei... - ela sorriu.

- É melhor você ir pra casa descansar, deixa que eu cuido de tudo aqui, quer que eu ligue pro seu motorista?

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