Eu olho para o relógio em cima da minha escrivaninha, vendo através da nuvem de lágrimas que escorrem sem parar por todo o meu rosto que eram quatro e meia da manhã. Com uma mão apertando meu peito acima do coração, eu balbucio as mesmas palavras de todas as noites em busca de mais uma tentativa.
— P-por favor, Deus.. – me engasgo em meu próprio choro, navegando nas minhas inseguranças e dores que somente eu sei, que somente eu as guardo — M-me faça parar de sentir isso – peço, fechando meus olhos e deixando as várias lágrimas molharem meus lençóis, os apertando até que as pontas dos meus dedos fiquem esbranquiçadas.
Parecia injusto. Parecia injusto que uma garota como eu, que tem absolutamente tudo, se sentisse tão confusa e perdida em meio à si mesmo. Eu não me conhecia, eu não sentia essa noção de pertencimento em relação à mim, eu observo todos os dias as minhas amigas, a forma como cada uma consegue se conhecer tão bem e enfrentar as inseguranças, se posicionar e ter a atitude que eu sonho em obter um dia.
E eu.. bom, eu não parava de chorar como uma vítima sofrida. Uma egoísta, talvez. Haviam tantas outras pessoas no mundo à fora, sofrendo e passando por maus bocados e existia eu, a garota perdida dentro de si.
É sufocante aqui dentro, quase torturante. Como se uma corda estivesse amarrada em meu pescoço e em alguns dias, ela me liberava para respirar, em outros, ela me apertava até que eu não pudesse mais respirar, quase como um ciclo vicioso onde o predador brincava com a sua presa até que ela perdesse suas forças.
Enterro meu rosto em meu travesseiro e grito silenciosamente, desejando ser outra pessoa, desejando ser alguém livre, desejando ter uma liberdade que eu nem mesmo não sabia que não tinha. Desejando ser uma garota mais confiante e bonita.
Talvez as pessoas com quem estudei estivessem certas, talvez eu não passasse de uma mera esquisita e garota estranha que nunca fala nada. David me protegia dos comentários maldosos, é claro, de como meu corpo sempre fora magro demais e sem as curvas acentuadas que todas as outras garotas tinham, mas ele não podia estar por mim todas as vezes.
Céus, somente Deus sabe o quanto eu olho para as outras mulheres na rua desejando ser elas, ter a atitude, corpo e audácia de cada uma. Querendo saber como é ser desejada e não apenas a amiga legal da garota bonita.
Pode ser bobagem, eu sei. Mas quando você passa tanto tempo ouvindo algo, você tende a acreditar naquilo por mais que não queira, por mais que você lute, você sabe que aquilo é algo perdido.
Estou cansada, estou mesmo. Cansada de acordar todas as manhãs e não gostar do que eu vejo em frente ao espelho, eu sei que por gostar de balé, muitas vezes isso exige que você mantenha um peso muito baixo, mas com o passar dos anos, todas as coisas que sofri por causa da minha escolha, de algo que eu gosto de fazer, me afetavam de verdade.
Nós, mulheres, estamos sujeitas a sofrer seja qual for o seu peso ou aparência. Se você é alta demais, não serve para ser uma mulher delicada, se você é gorda, precisa emagrecer e está fora dos padrões, se é magra, você se torna alvo de perguntas idiotas sobre a falta de alimentos ou cuidados.
Queria poder esquecer tudo que já escutei e me concentrar apenas nos bons comentários da minha família, em como meu irmão me trata como uma princesa assim como meu pai.
Mas o mundo lá fora é cruel e está pronto para derrubar as melhores barreiras que você fizer. Ele está pronto para lhe dar uma rasteira quando você menos esperar.
Estou tão cega e perdida em mim mesma que não posso parar para valorizar as coisas boas que tenho, e tenho plena consciência disso.
Uma vez, me falaram o perigo que era se acostumar com uma dor, eu não havia dado tanta atenção para isso até ser uma dessas pessoas. Uma pessoa que espera pela dor porque, de alguma maneira, você se acostumou e é uma forma de sentir, mesmo odiando.
Me sento na cama, sentindo uma fraqueza em meu corpo e assisto o sol nascer pela janela do meu quarto, as lágrimas rolam da minha bochecha até a minha coxa, mas eu mantenho minha atenção ao nascer do sol e forço um sorriso, ignorando o espelho frente à mim. Agora não.
— Mais uma vez.. só mais uma vez.. – sussurro para mim mesma, fechando meus olhos quando a luz do sol me obriga a fechá-los.
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Boa leitura! ❤
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HERDEIROS #5 - Second Chance
RomansaSegunda chance trata-se sobre um livro cheio de feridas e mágoas jamais ditas. Personagens que irão crescer e evoluir com o tempo e saber entender que às vezes, nem tudo sai conforme nós queremos. Que nem mesmo amando alguém imensamente, é o suficie...