Capítulo 389 Os últimos quinze dias que restavam
Na noite do dia quatorze de maio, após o casamento no coreto abandonado sobre o lago, Jun Wu tinha ciência de que não seria possível uma noite de núpcias.
No entanto, ele queria passar todo tempo que pudesse sozinho com Huan Shui, antes de voltarem para a vila de pescadores.
Burlando o que tinha prometido, não levou Shui de volta antes que aquele dia se findasse, os dois terminaram a noite numa estalagem de beira de estrada.
No início da madrugada choveu e os dois ficaram juntos sentados na varanda do quarto, ouvindo o som das águas, havia um pequeno lago de carpas abastecido por uma fonte de bambu, era a primeira vez que Huan Shui viu e ouviu genuinamente a chuva de Jiang Nan que ele costumava tocar em seu erhu.
Enquanto ouvia a chuva, teria sido perfeito tocar mais uma vez a música favorita do Daozhang.
Por um momento, Huan Shui olhou para seu erhu sem as duas cordas, elas tinham se tornando as alianças em seus dedos e a música apenas tocaria em sua mente dentro da madrugada.
Era o suficiente.
Tudo era mais do que ele imaginava, ou tinha desejado.
Por isso, ele aproveitou o instante como se fosse durar para sempre, sem tristezas no seu semblante, com a suavidade de uma pétala fresca e desgarrada deslizando menos cinco centímetros por segundo.
Tão imerso no instante, sem perceber que Jun Wu se quer olhava para a chuva, o foco dele, toda sua mais profunda imersão viajando na expressão de seu semblante iluminado por uma lanterna em forma de torre na varanda de madeira.
Mas... Essa ausência momentânea de tristeza não enganou ou iludiu o Daozhang que mais do que nunca poderia chamar de seu.
Mais do que nunca, ele tinha certeza que Huan Shui sabia que cairia severamente doente em poucas horas, por isso ele tornou as últimas horas juntos as melhores que ele poderia tornar.
À caminho de Shuang Xi, tão distante da aldeia de pescadores onde tinha deixado Shui, estava em busca da medicina citada no papel de seda escrito por Shu Rong.
Graças a sua conversa com Huan Shui no dia anterior, tinha o conhecimento exato do lugar que poderia encontrar o remédio.
"... durante a minha viagem, consegui uma poção que me ajudava a lidar com os sintomas. Foi o mestre de Shou Xian que me deu... Tem um gosto horrível, mas apesar de não poder curar, consigo ficar de pé... Antes de ter acesso a ela, eu ficava desacordado por dias."
Jun Wu não pensou que tivesse que pisar no local da Seita Shisuan tão cedo.
Quando mal tinha chegado... Ele decididamente não via a hora de voltar.
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Pavilhão Wu Xing – Local da Seita Shisuan
Quinze de maio, Ano do Dragão
A luz natural ainda iluminava os inúmeros corredores daquela magnânima construção azul e dourada.
Não pode evitar de espirrar, seus sentidos irritados pelo acúmulo de poeira nos livros mais antigos, alguns continham dialetos arcaicos traduzidos por uma pequena minoria e era por isso mesmo que cada um deles encontrava-se coberto de poeira, os cultivadores da seita nunca procuravam por essas raras edições feitas à mão e tão pouco se lembravam que precisavam ser conservadas.
E mesmo que alguém lembrasse, para quem cultivava seriamente, era considerada uma função de baixo nível, para ser feita por alguém de pouca significância.
Shou Xian ainda não tinha certeza se era o melhor modo de castigar a si mesmo, mas pelo menos estava sendo útil.
Além disso, arrumar o acervo centenário de livros da seita, lhe dava a chance de passar muito tempo sozinho, o que ele sem dúvida preferia, a ter que lidar com os membros que nunca o aceitaram.
Ele no fim, não era como os livros que ninguém sabia ler?
Limpando os olhos que lacrimejavam na manga de seu hanfu azul escuro, absorto em seu nariz coçando e em seus pensamentos melancólicos, o cultivador deu um pequeno pulo para trás, quando aquela voz grave soou do nada:
— Precisa de um lenço?
Shou Xian se colocou logo em guarda, baixando a manga que antes cobria seus olhos, estava começando achar que a poeira excessiva estava causando alguma alucinação! Ou, na pior das hipóteses...
— Aiya! Seu Daozhang idiota... Que sentido faz aparecer assim do nada? — O cultivador mais baixo ralhou. — Por que tão sorrateiro? Hum?!
Jun Wu, que antes tinha um lenço estendido na direção de Shou Xian, exalou um pequeno suspiro, tendo seus modos contidos, beirando ao sereno, embora estivesse rigorosamente sério.
— Não quer mesmo o lenço? Eu não tinha a intenção de assustar o prezado Daoren mais uma vez... Ainda pareço um demônio para você?
Shou Xian piscou os olhos algumas vezes antes de responder, fazendo um gesto que renegava o lenço, que Jun Wu terminou por tornar a guardar no interior de sua manga.
— Demônio? Assombração, isso sim! Mas... Não vem ao caso! — Shou Xian bradou meneando com a cabeça. — Tem o que?... Três dias desde a última vez que esteve aqui, eu não esperava vê-lo tão cedo. Por acaso... Tem notícias de Huan-Xiong?
Jun Wu assentiu de leve com a cabeça e completou:
— Eu o encontrei numa aldeia de pescadores.
De repente a irritação que sentia em seu nariz e olhos, tornou-se o de menos. Shou Xian vagou com seu olhar na silhueta, na expressão do deus menor meio que de soslaio.
— É?... Mas, sua expressão está azeda. O que deu de errado?
— Preciso estar com seu mestre e achei que você gostaria de saber, por isso vim direto ao acervo de livros da Seita Shisuan... A-Shui precisa de mais medicina.
As pupilas de Shou Xian encolheram diante dos fatos, tinha visto de perto, vivenciado e cuidado de Huan Shui quando ele precisava do remédio produzido por seu mestre, era compreensível o Daozhang estar completamente sem chão.
Ou talvez, poderia ser pior do que imaginava? Sua voz soou isenta de interrogações.
— Ah, não... O irmãozinho abriu as outras orbes, pelo visto.
Jun Wu piscou devagar, como em confirmação, sua voz soando cada vez mais grave:
— Foi quando ele partiu no junco fantasma... Duas delas.
Conhecia bem o estrago que apenas uma delas poderia fazer, Shou Xian havia sentido na pele o que era ficar preso no transe de uma daquelas orbes, o quanto era difícil recuperar a própria consciência.
Trincando de forma involuntária a mandíbula, Shou Xian retrucou enquanto lhe dava as costas, seu hanfu esvoaçando em meio a poeira flutuando naquela seção:
— Merda... Vem comigo.
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Jun Wu - A Terceira Face do Príncipe • Livro 3
Fanfic⚠️ Aviso importante ⚠️ Fanfic com temas sensíveis como abuso, gore e tortura psicológica. ◇ Essa é a continuação da Fanfic "Jun Wu A Terceira Face do Príncipe", aqui começamos o último livro dela, o livro 3. Aqui pretendo concluir essa imens...