Porque Me Fazer Perguntas Tão Pessoais.....

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A luz inundava o quarto, arrancando-me de um sono profundo. Eu me
espreguiço e abro os olhos. Era uma bonita manhã de maio, com Seattle aos
meus pés. Uau, que vista. Marília Mendonça está profundamente adormecida ao
meu lado. Surpreende-me que esteja ainda na cama. Como está de cara para
mim, tenho a oportunidade de examiná-la bem, pela primeira vez. Seu
formoso rosto parece mais jovem, relaxada em seu sono. Seus lábios
esculturais, carnudos estão ligeiramente abertos, e o seu cabelo, limpo e
brilhante, em gloriosa confusão. Como alguém pode ser tão bonita e mesmo
assim ser fria? Recordo seu quarto no andar de cima... talvez não seja tão
frio. Sacudo minha cabeça, tenho muito em que pensar. Sinto a tentação de
esticar a mão e tocá-la, mas está tão adorável dormindo, como uma garotinha.
Eu não tenho que me preocupar com o que estou dizendo, pelo que diz ela,
ela tem planos, especialmente planos para mim.
Eu poderia passar o dia todo a contemplando, mas tenho minhas
necessidades... fisiológicas. Saio devagar da cama, vejo sua camisa branca
no chão e me visto com ela. Dirijo-me para a uma porta pensando que podia
ser o banheiro, mas acabo dentro de um closet tão grande quanto o meu
quarto. Filas e filas de trajes caros, de camisas, sapatos e calças roupas de modo geral. Para que
necessita de tanta roupa? Eu estalo a língua em desaprovação. Na verdade,
o closet de Maraisa certamente não fica devendo nada a este. Maraisa! Oh, não. Não
me lembrei dela uma única vez a noite toda. Eu tinha que lhe mandar uma
mensagem. Merda. Ela vai se zangar comigo. Por um segundo, me pergunto
como está com o Elliot.
Volto para o quarto, Marilia continua dormido. Abro a outra porta. É
o banheiro, maior que meu quarto de dormir. Para que necessita tanto
espaço uma mulher sozinha? Duas pias, eu observo com ironia. Se nunca
dorme com ninguém, uma das duas não é utilizada.
Olho-me no enorme espelho. Pareço diferente? Sinto-me diferente.
Para ser sincera, estou um pouco dolorida, e os músculos... é como se nunca
tivesse feito exercício na vida. Você não faz exercícios em sua vida, diz-me
meu subconsciente, que despertou.
Ele me olha franzindo os lábios e batendo com o pé no chão. Acaba de se
deitar com ela, você entregou sua virgindade a uma mulher que não a ama,
que tem planos muito estranhos para você, que quer convertê-la em uma
espécie de pervertida escrava sexual.
VOCÊ ESTÁ LOUCA? – ele grita para mim.
Sigo me olhando no espelho e estremeço. Tenho que assimilar tudo
isto. Honestamente, gostei de perder para uma mulher que está para além de
bonita, mais rica que Creso, e que tem um Quarto Vermelho da Dor me
esperando. Estremeço. Estou desconcertada e confusa. Meu cabelo está um
desastre, como sempre. O cabelo revolto não fica nada bem. Tento pôr ordem
nesse caos com os dedos, mas não o consigo e me rendo... Possivelmente
tenha algum elástico na bolsa.
Morro de fome. Volto para o quarto. A bela adormecida continua
dormindo, assim, o deixo e vou à cozinha.
OH, não... Maraisa. Deixei a bolsa no estúdio de Marília. Vou buscá-la e
pego meu celular. Três mensagens.
*Tudo OK Mai*
*Onde estás Mai*
*Que droga Mai*
Ligo para Maraisa, mas não me responde e lhe deixo uma mensagem na
secretária eletrônica, lhe dizendo que estou viva e que a enigmática não
acabou comigo, bem, ao menos não no sentido que poderia lhe preocupar...
ou talvez sim. Estou muito confusa. Tenho que tentar me esclarecer e
analisar meus sentimentos por  Marília Mendonça. É impossível. Movo a cabeça
me dando por vencida. Preciso estar sozinha, longe daqui, para pensar.
Encontro na bolsa dois elásticos para o cabelo e rapidamente faço
duas tranças. Sim! Possivelmente quanto mais menina pareça, mais a salvo
estarei da enigmatica. Pego o meu iPod na bolsa e coloco os fones. Não há
nada como música, para cozinhar. Coloco o iPod no bolso da camisa de
Marília, subo o volume e começo a dançar.
Santo inferno, eu estou faminta.
A cozinha me intimida um pouco. É elegante e moderna, com armários
sem puxadores. Demoro uns segundos em chegar à conclusão de que tenho
que pressionar as portas para que se abram. Possivelmente deveria preparar
o café da manhã para Marília. No outro dia comeu uma panqueca... Bem,
ontem, no Heathman. Caramba, quantas coisas aconteceram desde ontem.
Abro a geladeira, vejo que há muitos ovos e pego o que quero para
panquecas e bacon. Começo a fazer a massa dançando pela cozinha.
Estar ocupada é bom. Isso me concede um pouco de tempo para
pensar, mas sem aprofundar muito. A música que ressona em meus ouvidos
também me ajuda a afastar os pensamentos profundos. Eu vim para cá para
passar a noite na cama de Marília Mendonça e consegui, embora ela não
permita a ninguém dormir em sua cama. Sorrio. Missão cumprida. Bons
momentos. Sorrio. Bons, muito bons momentos, e começo a divagar
recordando a noite. Suas palavras, seu corpo, sua maneira de fazer amor...
Fecho os olhos, meu corpo vibra ao recordá-la e os músculos de meu ventre
se contraem. Meu subconsciente me faz cara feia. Sua maneira de foder, não
de fazer amor, grita-me como uma harpia. Não faço conta, mas no fundo sei
que tem razão. Movo a cabeça para me concentrar no que estou fazendo.
A cozinha é muito sofisticada. Confio que saberei como funciona.
Necessito de um lugar para deixar as panquecas, para que não esfriem.
Começo com o bacon. Amy Studt está cantando em meu ouvido uma canção
sobre gente inadaptada, uma canção que sempre significou muito para mim,
porque sou uma inadaptada. Nunca me encaixei em nenhum lugar, e
agora... tenho que considerar uma proposta indecente da Rainha dos
Desajustes. Por que Marília é assim? Por natureza ou por educação?
Nunca conheci a ninguém igual.
Coloco o bacon no grill, enquanto frita, bato os ovos. Volto-me e vejo
Marília sentada em um tamborete, com os cotovelos em cima do balcão de
café da manhã e o rosto apoiado na mão. Veste a camiseta com que dormiu.
O cabelo revolto lhe fica realmente bem,
Parece divertida e surpresa ao mesmo tempo. Fico paralisada e ruborizada.
Logo me acalmo e tiro os fones. Com os joelhos tremendo, só de vê-la.
— Bom dia, senhorita Maiara. Está muito ativa esta manhã, — diz-me
em tom frio.
— Eu dormi bem, — digo-lhe gaguejando. Ela tenta dissimular seu
sorriso.
— Não imagino por que. — ela faz uma pausa e franze o cenho. — Eu
também, quando voltei para a cama.
— Está com fome?
— Muita, — responde-me com um olhar intenso, e acredito que não se
refere à comida.
— Panquecas, bacon e ovos?
— Soa muito bem.
— Não sei onde estão os guardanapos de mesa. — Encolho os ombros
e tento desesperadamente não parecer nervosa.
— Eu me ocupo disso. Você cozinha. Quer que ponha música, então
você pode continuar... err... dançando?
Olho para os meus dedos, perfeitamente consciente de que estou
ruborizando.
— Por favor, não pare por minha causa. Isso é muito interessante, —
diz-me em tom zombador.
Enrugo os lábios. Interessante, verdade? Meu subconsciente se dobra
de rir.
Viro e sigo batendo os ovos, certamente com mais força do que necessário.
Num instante, ela está ao meu lado. Ela gentilmente puxa a minha trança.
— Eu adoro isso, — sussurra. — Mas não vão proteger você.
Mmm,...
— Como quer os seus ovos? — pergunto-lhe bruscamente. Ela sorri.
— Completamente batidos e espancados, — ela sorri.
Sigo com o que estava fazendo tentando ocultar meu sorriso. É difícil
não ficar louca por ela, especialmente quando está tão brincalhona, o qual
não é nada frequente. Abre uma gaveta, saca duas toalhas individuais
negras e as coloca no balcão. Jogo o ovo batido em uma frigideira, pego o
bacon do grill, dou a volta e coloco mais no grill.
Quando me volto, há suco de laranja no balcão e Marilia está
preparando café.
— Quer um chá?
— Sim, por favor. Se tiver.
Pego um par de pratos e os coloca em cima de uma bandeja de
aquecimento para mantê-los quentes. Marília abre um armário e saca
uma caixa de chá Twinings English Breakfast. Franzo os lábios.
— Um bocado de conclusões precipitadas, não é?
— Você crê? Não tenho certeza que tenhamos concluído nada, ainda,
senhorita Maiara, — ela murmura.
O que ela quer dizer com isso? Nossa negociação? Nossa, err... relação...
seja o que for? Ela ainda é tão enigmática. Sirvo o café da manhã nos pratos
quentes, que estão em cima dos guardanapos de mesa. Abro a geladeira e
pego xarope de arce.
Olho para Marilia, ela está esperando que eu me sente.
— Senhorita Maiara. — diz-me assinalando um tamborete.
— Senhora Mendonça. — Concordo com a cabeça, em reconhecimento. Ao me
sentar, faço uma ligeira careta de dor.
— Está muito dolorida? — pergunta-me, enquanto também toma
assento.
Ruborizo-me. Por que me faz perguntas tão pessoais
— Bem, para falar a verdade, não tenho com o que comparar isso, —
respondo-lhe. — Queria me oferecer sua compaixão? — pergunto-lhe em tom
muito doce. Acredito que tenta reprimir um sorriso, mas não estou segura.
— Não. Perguntava-me se devemos seguir com seu treinamento básico.
— Oh. — Olho para ela estupefata, contenho a respiração e estremeço.
Oh... eu adoraria. Sufoco um gemido.
— Coma, Maiara. — Meu apetite se tornou incerto, novamente...
mais... mais sexo... sim, por favor.
— Isto está delicioso, a propósito. — Ela sorri para mim.
Eu tento uma garfada de omelete, mas mal posso prová-lo.
Treinamento básico! Quero foder a sua boca. O que faz parte do treinamento
básico?
— Deixe de morder o lábio. É muito perturbador, e acontece que me
dei conta de que não está vestindo nada debaixo de minha camisa, e isso me
desconcentra ainda mais. — Ela rosna.
Inundo a bolsa de chá no bule que Marília me trouxe. Minha cabeça
está dando voltas.
— Em que tipo de treinamento básico está pensando? — pergunto-lhe,
minha voz está com um volume um pouco alto, o que trai meu desejo de
parecer natural, como se não me importasse muito, e o mais tranquila
possível, em que pese, os hormônios estão causando estragos por todo meu
corpo.
— Bem, como está dolorida, pensei que poderíamos nos dedicar às
técnicas orais.
Engasgo-me com o chá e o olho para ela, com os olhos arregalados. Ela
me dá tapinhas nas costas e me aproxima o suco de laranja. Não tenho nem
ideia de no que está pensando.
— Isto é, se você quiser ficar, — ela acrescenta. Olho para ela tentando
recuperar o equilíbrio. Sua expressão é impenetrável. É muito frustrante.
— Eu gostaria de ficar durante o dia, se não houver problema.
Amanhã tenho que trabalhar.
— A que hora tem que estar no trabalho?
— Às nove.
— Levarei você ao trabalho amanhã, às nove.
Franzo o cenho. Quer que eu fique outra noite?
— Tenho que voltar para casa esta noite. Preciso trocar de roupa.
— Podemos comprar algo.
Não tenho dinheiro para comprar roupa. Levanta a mão, agarra o meu
queixo e faz meus dentes soltarem meu lábio inferior. Eu não estava
consciente de que me estava mordendo o lábio.
— O que acontece? — pergunta-me.
— Tenho que voltar para casa esta noite.
Ela aperta a boca em uma linha dura.
— Ok, esta noite, — ela aceita. — Agora acabe o café da manhã.
Minha cabeça e meu estômago dão voltas. Meu apetite sumiu.
Contemplo a metade de meu café da manhã, que segue no prato. Já não
tenho fome.
— Coma, Maiara. Ontem à noite não jantou.
— Não tenho fome, de verdade, — sussurro.
Ela aperta os olhos.
— Eu gostaria muito que terminasse o seu café da manhã.
— Qual o seu problema com a comida? — Eu deixo escapar. Ela franze
a testa.
— Já te disse que não suporto desperdiçar comida. Coma, diz-me
bruscamente, com expressão sombria, doída.
Droga. O que é tudo isto? Pego o garfo e como devagar, tentando
mastigar.
Se for ser sempre tão estranha com a comida, terei que lembrar para não
encher tanto o prato. Seu semblante se adoça a medida que vou comendo o
café da manhã. Observo-a retirar seu prato. Espera a que eu termine e retira
o meu também.
— Você cozinhou, eu limpo.
— Muito democrática.
— Sim. — diz, franzindo o cenho. — Não é meu estilo habitual.
Assim que acabar, tomaremos um banho.
— Oh, ok. Oh... Eu preferiria uma ducha. O som de meu
telefone me tira do devaneio. É Maraisa.
— Olá. — Afasto-me dela e me dirijo para as portas de vidro da
varanda, na minha frente.
— Mai, por que não me mandou uma mensagem ontem à noite? — Ela
está zangada.
— Desculpe-me. Eu fui superada pelos acontecimentos.
— Você está bem?
— Sim, perfeitamente.
— Você fez? — Ela tenta conseguir a informação. Eu rolo meus olhos
com a expectativa em sua voz.
— Maraisa, eu não quero comentar isso por telefone. — Marília eleva os
olhos para mim.
— Você fez... eu posso dizer.
Como pode estar segura? Ela está blefando, e eu não posso falar sobre
isso. Eu assinei um maldito acordo.
— Maraisa, por favor.
— Como foi? Você está bem?
— Já te disse que estou perfeitamente bem.
— Ela foi gentil?
— Maraisa, por favor! - Não posso reprimir meu aborrecimento.

Cinquenta Tons De Cinza (Adapt Mailila)Onde histórias criam vida. Descubra agora