Passe a Noite Comigo....

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Ligo para Ray, que está pronto para ver um partida dos Sounders,
uma equipe de futebol de Salt Lake City, assim, felizmente, nossa conversa
será breve.
Virá na quinta-feira para a graduação. Depois quer me levar para
comer em algum lugar. Sinto uma grande ternura quando falo com Ray, isso
me faz sentir um nó na garganta. Sempre esteve ao meu lado diante dos
devaneios amorosos de minha mãe. Temos um vínculo especial, que é muito
importante para mim. Embora seja meu padrasto, sempre me tratou como a
uma filha, e tenho muita vontade de vê-lo. Faz muito que não o vejo. Agora
mesmo, preciso de sua força e tranquilidade. Sinto a sua falta. Talvez deva
canalizar meu Ray interior para minha entrevista de amanhã.
Isa e eu nos dedicamos empacotar e compartilhamos uma garrafa de
vinho barato, como tantas vezes. Quando por fim quase terminei de
empacotar minhas coisas do quarto vou para a cama, estou mais calma. A
atividade física de colocar tudo em caixas foi uma boa distração, e estou
cansada. Quero descansar. Aconchego-me na cama e em seguida durmo.
Paul retornou de Princeton antes de se mudar para Nova Iorque para
fazer negócios em uma entidade financeira. Passa o dia me seguindo pela
loja e me pedindo que fiquemos juntos. É um pesadelo.
— Paul, já lhe falei cem vezes, esta noite vou sair.
— Não, não vai. Diz isso para me dar o fora. Sempre me dá o fora.
Sim... parece que ando me esquivando.
— Paul, eu sempre pensei que não era boa ideia sair com o irmão do
chefe.
— Deixará de trabalhar aqui na sexta-feira. E amanhã não trabalha.
— E a partir de sábado estarei em Seattle, e você em Nova Iorque. Nem de
propósito poderíamos estar mais longe. Além disso, é verdade que tenho um
encontro esta noite.
— Com o Japinha?
— Não.
— Com quem?
— Paul... Oh. — Suspirou exasperada. Não ia se dar por vencido. —
Com Marília Mendonça. — Não pude evitar o tom de chateação. Mas funcionou.
Paul ficou boquiaberto e mudo. Droga... até o seu nome deixa às pessoas
sem palavras.
— Você vai sair com Marília Mendonça? — perguntou quando se
recuperou do susto. Seu tom de incredulidade é evidente.
— Sim.
— Estou vendo. - Paul parecia abatido, mesmo atordoado, e uma
pequena parte de mim se incomodava que lhe tenha surpreendido tanto. À
deusa interior também. Ela faz um gesto muito vulgar e pouco atraente para
ele com os dedos.
Depois disso, ele me ignorou, e as cinco em ponto saio correndo da loja.
Maraisa me emprestou dois vestidos e dois pares de sapatos, para esta
noite e para a graduação de amanhã. Eu queria poder sentir-me mais
entusiasmada com roupas e fazer um esforço extra, mas não são minhas.
Qual é a sua, Maiara? A pergunta de Marília, a meia voz, me
perseguia. Balançando a cabeça e me esforçando para acalmar os nervos,
escolho o vestido cor de ameixa para esta noite. É discreto e parece
adequado para uma entrevista de negócios, por que, depois de tudo, vou
negociar um contrato.
Tomo um banho, depilo minhas pernas e as axilas, lavo os cabelos e
passo uma boa meia hora secando-os, isso para que caia ondulado sobre
meus seios e costas. Pego algumas mechas com um pente para retirá-lo do
rosto, aplico algum rímel e brilho de labial. Quase nunca uso maquiagem.
Sinto-me intimidada.
Nenhuma das minhas heroínas literárias teve que se maquiar, talvez
soubesse algo mais sobre isso se o fizessem. Calço os sapatos de salto cor de
ameixa, combinando com o vestido, e por volta das seis e meia, estou pronta.
— Bem? — pergunto para Maraisa.
Ela sorri.
— Rapaz, você vai arrasar, Mai. — Ela acena com aprovação. —Você
está linda.
— Linda! Pretendo ser discreta e parecer uma mulher de negócios.
— Também, mas sobretudo, está um escândalo. Este vestido fica
muito bem com seu tom de pele. E marca tudo. — disse com uma risadinha.
— Isa! — repreendo-a.
— As coisas são como são, Mai. A impressão geral é... muito boa. Com
esse vestido, terá ela comendo em sua mão.
Aperto os lábios. Oh, você não poderia estar mais errada.
— Deseje-me sorte.
— Você precisa de sorte para ficar com ela? — pergunta ela franzindo o
cenho, confusa.
— Sim, Isa.
— Bem, pois então tenha sorte. — Ela me abraçou e eu sai pela porta da
frente.
Tenho que tirar os sapatos para conduzir. Wanda, meu fusca azul
marinho, não foi desenhado para ser conduzido por mulheres com saltos
altos. Estacionei em frente ao Heathman as sete, faltando dois minutos
exatamente, dando as chaves ao manobrista, percebo que ele olha para meu
fusca com cara feia, mas eu o ignoro. Respiro fundo, me preparo
mentalmente para a batalha e me dirijo ao hotel.
Marília está inclinada sobre o balcão, bebendo um copo de vinho
branco. Ela está vestida com a habitual camisa branca de linho, jeans preto,
e jaqueta preta. Tem os cabelos tão lisos como sempre.
Suspiro. Fico uns segundos parada na entrada do bar, observando,
admirando a vista. Ela lança um olhar, acredito que nervosa, para a porta se
esticando e fica imóvel. Pestaneja um par de vezes e depois esboça
lentamente um sorriso indolente e sexy que me deixa sem palavras e isso me
derrete por dentro. Avanço para ela fazendo um enorme esforço para não
morder meus lábios, consciente de que eu, Maiara Carla de Clumsyville,
estou de saltos. Ela caminha graciosamente par me encontrar.
— Você está linda, — ela murmura, inclinando-se para me beijar
rapidamente na bochecha. — Lindo vestido, senhorita Carla. Parece-me
muito bem. — Agarra minha mão, e me leva a uma mesa reservada e faz um
gesto ao garçom.
— O que quer tomar?
Esboço um ligeiro sorriso enquanto me sento na mesa. Bem, ao menos
pergunta-me.
— Tomarei o mesmo que você, obrigado. — Viu? Sei fazer meu papel e
me comportar.
Divertida, pede outro copo do Sancerre e se senta em frente a mim.
— Têm uma adega excelente aqui, — me diz, inclinando a cabeça para
um lado.
Ela apoia os cotovelos na mesa e junta os dedos de ambas as mãos à altura
da boca. Em seus olhos brilham uma incompreensível emoção. E aí está...
uma descarga elétrica que conecta com o meu eu mais profundo. Remexo-
me, incômoda diante de seu olhar escrutinador, com o coração pulsando
rapidamente. Tenho que manter a calma.
— Está nervosa? — Ela pergunta amavelmente.
— Sim.
Ela inclina-se para frente.
— Eu também, — ela sussurra com cumplicidade. Mantenho meus
olhos nos seus. Ela? Nervosa?
Nunca. Eu pestanejo e ela me dá seu precioso sorriso meio de lado. Chega o
garçom com meu vinho, um pratinho com frutas secas e outro com
azeitonas.
— Então, como faremos isso? — Eu pergunto. — Revisamos meus
pontos um a um?
— Sempre tão impaciente, senhorita Carla.
— Bem, eu poderia perguntar o que você achou do tempo hoje?
Ela sorriu e pegou uma azeitona com seus longos dedos. Ela botou na boca e
meus olhos se fixam na sua boca, que esteve sobre a minha... em todo meu
corpo. Ruborizo.
— Acredito que o tempo hoje não teve nada de especial, — Ela riu.
— Está rindo de mim, senhora Mendonça?
— Sim, senhorita Carla.
— Sabe que esse contrato não tem nenhum valor legal.
— Sou perfeitamente consciente disso, senhorita Carla.
— Pensou em me dizer isso, em algum momento?
Ela franze o cenho.
— Você acredita que estou te coagindo para que faça algo que não
quer fazer, e que além disso pretendo ter algum direito legal sobre você?
— Bem... sim.
— Não tem um bom conceito de mim, não é verdade?
— Não respondeu a minha pergunta.
— Maiara, não importa se é legal ou não. É um acordo que eu
gostaria de ter contigo... o que eu gostaria de ter de você e o que você pode
esperar de mim. Se você não gostar, não assine. Se o assinar e depois decidir
que você não gosta, há suficientes cláusulas que lhe permitirão deixá-lo.
Mesmo se você for legalmente vinculada, acredita que levaria você a
julgamento se decidisse partir?
Tomo um comprido gole de vinho. Meu subconsciente me dá um golpe no
ombro. Tem que estar atenta. Não beba muito.
— As relações deste tipo se apoiam na sinceridade e na confiança, —
seguiu me dizendo. — Se não confiar em mim... tem que confiar em mim
para que saiba em que medida estou te afetando, até onde posso ir contigo,
até onde posso te levar... se não puder ser sincera comigo, então, realmente,
não podemos fazer isso.
vá diretamente ao ponto. Até onde pode me levar.
Caramba. O que quer dizer?
— É muito simples, Maiara. Confia em mim ou não? — Ela
perguntou com os olhos ardentes. — Você manteve este tipo de conversa
com... bem, com as quinze?
— Não.
— Por que não?
— Porque elas já eram submissas. Sabiam o que queriam da relação
comigo, e em geral, o que eu esperava. Com isso, era uma simples questão
de afinar os limites possíveis, esses tipos de detalhes.
— Você as procura em alguma loja? Nós somos Submissas?
Ela ri.
— Não exatamente.
— Então como?
— É disso que quer falar? Ou passamos ao melhor da questão? Às
objeções, como você diz.
Engulo em seco. Confio nela? É nisso que se resume tudo, à confiança?
Sem dúvida deveria ser coisa mais importante para as duas. Lembro-me de
sua raiva quando liguei para Japinha.
— Você está com fome? — Ela pergunta, e me distrai de meus
pensamentos.
Oh, não... a comida.
— Não.
— Você comeu hoje?
Eu olho para ela. Honestamente... Caramba, não vai gostar da minha
resposta.
— Não. — respondo em voz baixa.
Ela me olhou com expressão muito séria.
— Tem que comer, Maiara. Podemos jantar aqui ou em minha suíte.
O que você prefere?
— Acredito que é melhor ficamos em terreno neutro.
Ela sorriu com ar zombador.
— Crê que isso me deteria? — pergunta em voz baixa, como uma
sensual advertência.
Arregalo os olhos e volto a engolir a saliva.
— Eu espero.
— Vamos, reservei um jantar privado. — Ela sorriu enigmaticamente e
saiu da mesa me estendendo a mão.
— Traga o seu vinho — murmura.
Agarro a sua mão, levanto e paro a seu lado. Solta a minha mão, põe
no braço, cruzamos o bar e subimos uma grande escada até a sobreloja. Um
rapaz com uniforme do Heathman se aproxima de nós.
— Senhora Mendonça, por aqui, por favor.
Nós o seguimos por uma luxuosa sala de sofás, até um refeitório
privado, com uma só mesa. Era pequeno, mas suntuoso. Sob um candelabro
cintilante, a mesa está coberta por linho engomado, taças de cristal, talheres
de prata e um ramo com uma rosa branca. Um encanto antigo e sofisticado
impregnava a sala, forrada com painéis de madeira. O garçom retira a
cadeira e me sento. Eu coloco o guardanapo no colo. Ela coloca as taças na
mesa. Marília se senta em frente a mim. Eu fico olhando para ela.
— Não morda o lábio, — ela sussurra.
Eu franzo o cenho. Caramba. Nem sequer me dei conta de que estava
fazendo isso.
— Já pedi a comida. Espero que não se importe.
A verdade é que me parece um alívio. Não estou segura de que possa
tomar mais decisões.
— Não, está tudo bem, — eu respondo.
— Eu gosto de saber que pode ser dócil. Agora, onde estávamos?
— No x da questão. — Dou outro longo gole de vinho. Está muito bom.
Marília Mendonça conhece bem os vinhos bons. Eu lembro do último gole que
me ofereceu, em minha cama. O inoportuno pensamento me fez ruborizar.
— Sim, suas objeções. — Põe a mão no bolso interno da jaqueta e tira
uma folha de papel.
Meu e-mail.
— Cláusula 2. De acordo. É em benefício dos dois. Voltarei a redigi-lo.
Pestanejo. Caramba... vamos passar por cada um destes pontos, um
de cada vez. Não me sinto tão valente estando com ela. Ela parece tão séria.
Reforço-me com outro gole de vinho. Marília continua.
— Minha saúde sexual. Bem, todas as minhas companheiras
anteriores fizeram análise de sangue, e eu faço exames a cada seis meses, de
todos estes riscos que existam. Meus últimos exames estavam perfeitos.
Nunca usei drogas. Na realidade, sou totalmente contra as drogas, e minha
empresa leva uma política antidrogas muito a sério. Insisto em que se façam
exames aleatórios e de surpresa nos meus empregados para detectar
qualquer possível consumo de drogas.
Uau... A obsessão controladora leva à loucura. Eu a encaro perplexa.
— Nunca fiz uma transfusão. Isso responde a sua pergunta?
Concordo, impassível.
— Seu ponto seguinte eu já comentei antes. Você pode sair a qualquer
momento, Maiara. Não vou te deter. Mas se for... acaba tudo. Quero que
saiba.
— Ok, — eu respondo em voz baixa. Se eu for, acabou. A ideia me
parece inesperadamente dolorosa.
O garçom chega com o primeiro prato. Como vou comer? Caramba... ela
pediu ostras em uma cama de gelo.
— Espero que você goste das ostras, — Marília diz em tom amável.
— Nunca as provei. — Nunca.
— Sério? Bem. Pegue uma. A única coisa que tem que fazer é colocar
isso na boca e engolir. Acredito que conseguirá. — Ela olha para mim e sei a
que está se referindo. Fico vermelha como um tomate. Sorrindo me diz que
devo espremer suco de limão em uma ostra e colocá-la na boca.
— Mmm, deliciosa. Tem sabor de mar, — ela diz sorrindo. — Vamos, —
ela me encoraja.
— Não tenho que mastigá-la?
— Não, Maiara. — Seus olhos brilham divertidos. Parece muito jovem. Eu
aperto os lábios, e sua expressão muda instantaneamente. Ela me olha
muito séria. Estico o braço e pego a primeira ostra. Ok... isto não vai sair
bem. Jogo suco de limão e a coloco na boca. Ela desliza por minha garganta,
todo o mar, sal, e a forte acidez do limão e sua textura carnuda... Oooh.
Lambo os lábios, e ela me olha fixamente, com olhos impenetráveis.
— É bom?
— Comerei outra e lhe responderei.
— Boa garota, — me diz orgulhosa.
— Você pediu ostras de propósito? Não dizem que são afrodisíacas? —
Não, é só o primeiro prato do menu. Não necessito de afrodisíacos contigo.
Acredito que sabe, e acredito que é assim contigo também, — ela diz
tranquilamente. — Onde estávamos? — Ela dá uma olhada no meu e-mail,
enquanto pego outra ostra.
Acontece o mesmo com ela. Eu o afeto... Uau.
— Obedecer-me em tudo. Sim, quero que faça. Necessito que o faça.
Considera um papel difícil, Maiara?
— Mas me preocupa que me faça mal.
— Que te faça mal como?
— Fisicamente. — E emocionalmente.
— De verdade acredita que te faria mal? Que transpassaria os limites, ao
ponto de não poder aguentar?
— Você disse que tinha feito mal a alguém antes.
— Sim, mas foi há muito tempo.
-O que aconteceu?
-Pendurei-a no teto do quarto de jogos. De fato, é um dos seus pontos.
Suspensão... para isso são os mosquetões. Com cordas. E apertei muito uma
corda.
Levanto uma mão lhe suplicando que pare.
— Não preciso saber mais. Então, você que me suspender?
— Não, se realmente não quiser. Pode tirar da lista dos limites rígidos.
— Ok.
— Bom, crê que poderá me obedecer?
Lança-me um olhar intenso. Passam os segundos.
— Poderia tentar, — eu sussurro.
— Bom. — Ela sorri. — Novo termo. Um mês não é nada,
especialmente se quiser um fim de semana livre de cada mês. Não acredito
que eu possa aguentar ficar longe de ti tanto tempo. Mal o consigo agora. —
Ela pausa.
Não pode ficar longe de mim? O que?
— Que tal, um dia de um fim de semana por mês só para você. Mas
ficará comigo uma noite no meio da semana.
— De acordo.
— E, por favor, tentamos por três meses. Se você não gostar, pode
partir a qualquer momento.
— Três meses? — Sinto-me pressionada. Dou outro comprido gole de
vinho e me concedo o gosto de outra ostra. Poderia aprender o que eu gosto.
— O tema da propriedade, é meramente terminologia e remete ao
princípio da obediência. É para você entrar no estado de ânimo adequado,
para que entenda de onde venho.
— E quero que saiba que, assim que cruzar a porta de minha casa, você é
minha por inteiro, farei contigo o que me der vontade. Terá que aceitar de
boa vontade. Por isso tem que confiar em mim.
— Vou foder você, quando quiser, como quiser e onde quiser. Vou disciplinar
você, por que você vai estragar tudo. Adestrei você para que me agrade.
Mas sei que tudo isto é novo para você.
— De inicio iremos com calma, e eu te ajudarei. Nós vamos atuar em vários
cenários. Quero que confie em mim, mas sei que tenho que ganhar sua
confiança, e o farei. O "em qualquer outro âmbito"... de novo, é para ajudar
você a se colocar em uma situação. Significa que tudo está permitido.
Ela se mostra apaixonada, cativante. Está claro que é sua obsessão, sua
maneira de ser... Não conseguia afastar os olhos dela. Quero-a de verdade.
Ela para de falar e me olha.
— Continua comigo? — pergunta em um sussurro, com voz intensa,
cálida e sedutora. Ela toma um gole de vinho sem tirar seus penetrantes
olhos de mim.
O garçom se aproxima da porta, e Marília assente ligeiramente para
lhe indicar que pode retirar os pratos.
— Quer mais vinho?
— Tenho que dirigir.
— Água, então?
Eu concordo.
— Normal ou com gás?
— Com gás, por favor.
O garçom parte.
— Está muito pensativa, — sussurra Marília.
— Você está muito faladora.
Ela sorri.
— Disciplina. A linha que separa o prazer da dor é muito fina,
Maiara. São as duas caras de uma mesma moeda. E uma não existe sem
a outra. Posso lhe ensinar quão prazerosa pode ser a dor. Agora não me
acreditas, mas a isso me refiro quando falo de confiança. Haverá dor, mas
nada que não possa suportar. Voltamos para o tema da confiança. Confia em
mim, Mai?
Mai!
— Sim, confio em ti, — respondo espontaneamente, sem pensar... por
que é verdade... Eu confio nela.
— De acordo, — ela diz aliviada. — O resto, são apenas detalhes.
— Detalhes importantes.
— Ok, vamos falar sobre eles.
Minha cabeça dá voltas com tantas palavras. Devia ter trazido o
gravador da Maraisa para poder voltar a ouvir depois o que ela disse. Muita
informação, muitas coisas para processar. O garçom volta a aparecer com o
segundo prato: bacalhau, aspargos e purê de batatas com molho holandês.
Eu nunca me senti com menos fome por alimentos.
— Espero que você goste de pescado, — Marília diz em tom amável.
Olho minha comida e bebo um longo gole de água com gás. Eu
veementemente gostaria que fosse vinho.
— A normas. Falemos das normas. Rompe o contrato pela comida?
— Sim.
— Posso mudar e dizer que comerá no mínimo três vezes ao dia?
— Não. — Eu não vou ceder neste tema. Ninguém vai dizer-me o que
tenho que comer.
Como foder, sim, mas comer... não, de jeito nenhum.
Ela aperta os lábios.
— Preciso saber que não passa fome.
Franzo o cenho. Por quê?
— Tem que confiar em mim.
Ela me olha por um instante e relaxa.
— Touché, senhorita Carla, — diz em tom tranquilo. Aceito o da
comida e o de dormir.
— Por que não posso te olhar?
— Isso é uma coisa de Dominante e Submissa. Você vai se acostumar
com isso.
Eu vou?
— Por que não posso te tocar?
— Porque não.
Ela aperta os lábios.
— Isso é por causa da senhora Robinson?
Ela me olhou com curiosidade.
— Por que você pensa isso? — E imediatamente a entende. — Você
acredita que ela me traumatizou?
Eu concordo.
— Não Maiara, não é por isso. Além disso, a senhora Robinson não
tomaria qualquer dessas merdas de mim.
Oh... mas eu sim, tenho que aceitar. Faço cara feia.
— Então não tem nada que ver com isso...
— Não. E tampouco quero que se toque.
O que? Ah, sim, a cláusula de que não posso me masturbar.
— Só por curiosidade... por quê?
— Porque quero todo o seu prazer para mim, — diz em tom rouco, mas
determinada.
Oh... Não sei o que responder. Por um lado, aí está com seu "Quero te
morder os lábios"; pelo outro, é muito egoísta. Franzo o cenho e espeto um
pedaço de bacalhau, tentando avaliar mentalmente o que me aconteceu. A
comida e o sono. Eu posso olhar nos olhos dela. Ela vai levar devagar, e
ainda não falamos nos limites suaves. Mas não estou segura de que posso
confrontar enfrentar isso de comida.
— Terá muitas coisas para pensar, não é verdade?
— Sim.
— Quer que passemos já aos limites passíveis?
— Não, depois de comer.
Ela sorriu.
— Delicada?
— Mais ou menos.
— Você não comeu muito.
— Comi o suficiente.
-Três ostras, quatro pedacinhos de bacalhau e um aspargo. Nem purê
de batatas, nem frutas secas, nem azeitonas. E não comeste o dia todo. Você
me disse que podia confiar.
Caramba. Ela vai fazer um sermão completo.
— Marília, por favor, não estou acostumada a ter conversas deste
tipo todos os dias.
— Preciso que esteja sadia e em forma, Maiara.
— Eu sei.
— E agora mesmo quero tirar esse vestido de seu corpo.
Engulo a saliva. Tirar o vestido de Maraisa. Sinto um puxão no mais
profundo de meu ventre. Alguns músculos que agora estou mais
familiarizada, se contraem com suas palavras. Mas não posso aceitar. Volta
a utilizar contra mim sua arma mais potente. É fabulosa praticando sexo...
Até eu me dei conta disso.
— Não acredito que seja uma boa ideia, — eu murmurei. — Ainda não
comemos a sobremesa.
— Quer sobremesa? — ela pergunta baixinho.
— Sim.
— A sobremesa poderia ser você, — murmura sugestivamente.
— Não estou segura de que seja bastante doce.
— Maiara, você é deliciosamente doce. Eu sei.
— Marília, você utiliza o sexo como arma. Não me parece justo, —
sussurro olhando para minhas mãos, e logo o encaro nos olhos. Levanta as
sobrancelhas, surpresa, e vejo que esta pesando minhas palavras. Segura o
queixo, pensativa.
— Tem razão. Faço isso. Na vida, cada um utiliza o que sabe,
Maiara. Isso não muda o fato que eu deseje muitíssimo você. Aqui. Agora.
Como é possível que me seduza somente com a voz? Já estou
ofegando, com o sangue circulando a todo vapor pelas veias, e os nervos
estremecendo.
— Eu gostaria de tentar algo, — ela respira.
Franzo o cenho. Acaba de me dar um montão de ideias que tenho que
processar, e agora isto.
— Se você fosse minha sub, você não teria que pensar sobre isso. Seria
fácil. — Sua voz é doce e sedutora. — Todas estas decisões... todo o
desgastante processo de pensamento por trás delas. Coisas como, “Ésta é a
coisa certa a fazer?”, "Se isso poderia acontecer aqui?", "Poderia acontecer
agora?". Não teria que se preocupar com esses detalhes. Seria eu, como sua
Dona. E agora mesmo, eu sei que me deseja, Maiara.
Franzo o cenho ainda mais. Como ela pode dizer?
— Estou tão segura porque...
Maldita seja, responde às perguntas que não lhe faço. É também
adivinha?
— ...seu corpo a delata. Está apertando as coxas, estás mais vermelha
e sua respiração mudou.
Oh, sim é demais.
— Como sabe sobre minhas coxas? — pergunto em voz baixa, em tom
incrédulo. Elas estão sob a mesa, pelo amor.
— Eu notei que a toalha se movia, e deduzi, me apoiando em anos de
experiência. Estou certa, não é?
Ruborizo-me e encaro minhas mãos. Seu jogo de sedução me põe
muito difícil. Ela é a única que conhece e entende as normas. Eu sou muito
ingênua e inexperiente. Meu único ponto de referência é Maraisa, mas ela não
aguenta bobagens. As demais experiências que tenho são do
mundo da ficção: Elizabeth Bennet estaria indignada, Jane Eyre
aterrorizada, e Tess sucumbiria, como eu.
— Não terminei o bacalhau.
— Prefere o bacalhau frio a mim?
Levanto a cabeça, de repente, e a encaro. Um desejo imperioso brilha
em seus olhos ardentes, como prata fundida, com necessidade imperiosa.
— Pensei que você gostaria que comesse toda a comida do prato.
— Agora mesmo, senhorita Carla, importa-me uma merda sua
comida.
— Marília, não joga limpo, de verdade.
— Eu sei. Nunca joguei limpo.
Minha deusa interior franze o cenho e tenta me convencer. Você pode.
Jogue o seu jogo. Posso? De acordo. O que tenho que fazer? Minha
inexperiência é um peso em torno do meu pescoço.
Espeto um aspargo, o encaro e mordo o lábio. Logo, muito devagar, coloco a
ponta do aspargo na boca e o chupo.
Marília abre os olhos de maneira imperceptível, mas eu a noto.
— Maiara, o que está fazendo?
Mordo a ponta.
— Estou comendo um aspargo.
Marília se remexe em sua cadeira.
— Acredito que está jogando comigo, senhorita Carla.
Finjo inocência.
— Só estou terminando a comida, senhora Mendonça.
Nesse preciso momento o garçom bate na porta e entra sem esperar
resposta. Olho um segundo para Marília, que faz cara feia, mas concorda
em seguida, assim que o garçom recolhe os pratos. A chegada do garçom
quebrou o feitiço, e me apego a esse instante de lucidez. Tenho que ir. Se
ficar, nosso encontro só poderá terminar de uma maneira, e preciso pôr
certas barreiras depois de uma conversa tão intensa. Minha cabeça se rebela
tanto como meu corpo morre de desejo. Preciso de um tempo, uma distancia
para pensar em tudo o que me foi dito. Ainda não tomei uma decisão, e seus
atrativos e sua destreza sexual não é nada fácil para mim.
— Quer sobremesa? — pergunta Marília, tão cavalheira como
sempre, mas com os olhos ainda ardentes.
— Não, obrigado. Acredito que tenho que ir, digo olhando para minhas
mãos.
— Já vai ? — pergunta sem poder ocultar sua surpresa.
O garçom sai às pressas.
— Sim.
É a decisão correta. Se ficar nesta mesa com ela, me entregarei.
Levanto com determinação. — Amanhã nos vemos as duas na cerimônia de
graduação.
Marília se levanta automaticamente, manifestando anos de
arraigada urbanidade.
— Não quero que vá.
— Por favor... Tenho que ir.
— Por quê?
— Porque você me expôs muitas coisas, nas quais devo pensar... e
preciso de uma certa distância.
— Poderia fazer você ficar, — ela ameaça.
— Sim, não seria difícil, mas não quero que faça.
Ela passa a mão pelos cabelos, me olhando atentamente.
— Olha, quando veio para minha entrevista e entrou em meu
escritório, tudo era "Sim, senhora", "Não, senhora". Pensei que fosse uma
submissa nata. Mas, na verdade, Maiara, não estou segura de que seja
totalmente submissa, diz em tom tenso, se aproximando de mim.
— Talvez você tenha razão, — eu respondo.
— Quero ter a oportunidade de descobrir se é, — ela murmura, me
olhando. Levanta um braço, acaricia meu rosto e passa o polegar pelo meu
lábio inferior. Não sei fazer de outra  maneira, Maiara. Sou assim.
— Eu sei.
Ela inclina-se para me beijar, mas para antes de seus lábios tocarem os
meus, seus olhos procuram os meus, como me pedindo permissão. Elevo os
lábios para ela e me beija, e como não sei se voltarei a beijá-la mais, deixo-
me levar. Minhas mãos se movem, deslizam por seu cabelo, atraindo-a para
mim. Minha boca se abre e minha língua acaricia a sua. Me pega pela nuca
para me beijar mais profundamente, respondendo ao meu ardor. Desliza a
outra mão pelas minhas costas, e ao chegar ao final da coluna, para e me
aperta contra seu corpo.
— Não posso te convencer de ficar? — pergunta sem deixar de me
beijar.
— Não.
— Passe a noite comigo.
— Sem tocar em você? Não.
Ela geme.
— Você é impossível, garota. — Queixa-se. Levanta a cabeça e me olha
fixamente. —Por que tenho a impressão de que está se despedindo de mim?
— Porque eu tenho que ir, agora.
— Não é isso o que quero dizer, e você sabe.
— Marília, eu tenho que pensar em tudo isto. Não sei se posso
manter o tipo de relação que você quer.
Ela fecha os olhos e pressiona sua cabeça contra a minha, dando a
ambos a oportunidade de relaxar ou respirar. Um momento depois me beija
na testa, respira fundo, com o nariz afundado em meu cabelo, me solta e dá
um passo atrás.
— Como quiser, senhorita Carla, — diz com rosto impassível.
Acompanho você até o vestíbulo.
Estendo a mão. Inclino-me, pego a bolsa e lhe dou a mão. Maldita seja,
isto poderia ser tudo. Eu o sigo pela grande escada até o vestíbulo, sinto
coceira no couro cabeludo, e o sangue me bombeia depressa. Poderia ser o
último adeus se eu não aceitar.
Meu coração se contrai dolorosamente no peito. Que reviravolta. Que
diferença um momento de clareza pode fazer a uma menina.
— Tem o ticket do estacionamento?
Pego o ticket na bolsa e entrego. Marília o entrega ao porteiro. O
encaro enquanto esperamos.
— Obrigada pelo jantar, — eu murmuro.
— Foi um prazer como sempre, senhorita Carla, — ela responde
educadamente, embora pareça distante em seus pensamentos,
completamente distraída.
Observo atentamente e memorizo seu formoso perfil. Obcecada com a
desagradável ideia de que poderia não voltar a vê-la. Tudo isso é muito
doloroso para mim, de repente, se vira e me olha com expressão intensa.
— Esta semana eu volto para Seattle. Se tomar a decisão correta,
poderei ver você no domingo? — pergunta em tom inseguro.
— Bem, vou ver. Talvez. — Eu respiro. Momentaneamente, ela parece
aliviada, mas em seguida franze o cenho.
— Agora faz frio. Você trouxe casaco?
— Não.
Ela sacode a cabeça com irritação e tira a sua jaqueta.

Cinquenta Tons De Cinza (Adapt Mailila)Onde histórias criam vida. Descubra agora