Capítulo 21 - Doutora Adriana Meirelles

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Quando Hiroshi me deu um olhar assustado no quarto da sua paciente, soube que tinha ido além do permitido naquele momento. Tentei suavizar, mas já era tarde demais.

Regras são feitas para serem cumpridas, no meu caso, eu meio que vivo quebrando muitas delas.

Por exemplo, um bom psicólogo nunca cria vínculos, mas eu acredito que falar da minha dor, me torna igual aquele ser humano que estou tratando e o faz contar a sua. Claro que não é com todos que trabalho assim. Na verdade, Selena é a terceira paciente com quem sinto que contar sobre Logan trará algum benefício e isso porque os dois primeiros foram comprovadamente satisfatórios os resultados.

Como psicóloga tenho que basear meu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Como psiquiatra tenho que fazer o diagnóstico, o tratamento, a prevenção e o controle de variados transtornos mentais. Isso são todas as coisas que estudamos na universidade e nos livros.

O que ninguém conta é que cada ser humano é único e eu não posso tratá-lo como todos.

Então eu primeiro sinto cada paciente e assim vejo qual a melhor forma de tratamento que usarei a seguir.

Talvez me falte a virtude da paciência, por isso transfiro muito dos casos que aparecessem no hospital para meus colegas de profissão.

Depois de vinte anos fazendo a mesma coisa, você acaba descobrindo algumas coisinhas e eu aprendi a ler meus potenciais pacientes.

Selena é uma eterna vítima. Vive na dor e no desespero, remoendo dia a dia todo o sofrimento, de novo e de novo. Mesmo que não queira ou tenha consciência desse fato. Seu inconsciente é preparado com os mecanismos de defesa que estão lá prontos pra reagir a qualquer momento. Mesmo que ela queira, não consegue abandonar o padrão. Ei, não entenda isso como uma crítica, nem como falta de profissionalismo, muito menos como pouco caso para com o horror que essa menina viveu. Não se trata disso. Meu principal objetivo nesses casos e fazer com que ela desligue a chave do sofrimento e passe a ver as coisas boas que a vida lhe proporcionou e ainda pode lhe proporcionar.

E não há preço que pague ver o resultado dessa transformação.

_ Dra. Meirelles.

_ Hiroshi. Ou devo dizer Dr. Meiwa. Porque sinto uma vibração não muito boa vinda de você, Hiroshi.

_ Tudo bem. Eu conheço seus métodos e respeito muitíssimo seu trabalho, mas devo confessar Adriana que as vezes você pega pesado e isso me assusta muito.

_ Estamos falando de Selena Piacessi ou de algum dos outros que me passou nessa semana?

_ Sim, estamos falando de Selena.

_ Porque ela tem algum tipo de parentesco com tua amiga Margareth ou por que ela é uma paciente?

_ Adriana!?!!??!!

_ Desculpe Hiroshi, mas você sabia que, em algum momento, eu iria perguntar.

_ A Selena veio a mim recomendada pela Margareth sim e ela é alguém que eu aprecio muito, mas também estou preocupada com a evolução clínica da minha paciente.

_ Quais as opções dessa menina. Fazer um bom tratamento, aparentemente agressivo no início talvez, mas que dê resultados. Ou ficar se internando, intercaladamente e ininterruptamente em clínicas pelo resto da vida? Porque é isso que vai acontecer com ela, se ela não começar a levar a sério sua patologia. – Paro de falar por um momento, quero que ele entenda bem o meu ponto de vista. _ Veja bem Hiroshi, eu não posso e me recuso a fazer o que os outros já fizeram e falharam. Não estou criticando meus colegas de profissão, estou apenas enaltecendo a inteligência da garota. Ela, mesmo sem ter consciência plena disso, ludibria e engana os profissionais. Se eu fizesse o mesmo que os outros fizeram, teria os mesmos resultados. Ela diria as coisas que sabe que quero ouvir, daríamos alta e o ciclo recomeçaria em breve. Por isso não recomendei a internação, já percebi que ela não gosta de se sentir acuada, a raiva desencadeia reações ruins nela.

_ Eu entendo. Só tenho medo de que o tiro saia pela culatra.

_ Ela precisa entender que a psicoterapia pode auxiliá-la a encontrar um sentido para tudo aquilo que foge ao seu controle, precisa querer fazer a sua parte nesse processo, precisa perceber que eu não farei milagre, apenas a guiarei no caminho certo. Se ela cooperar, identificaremos seus gatilhos para os sintomas de crise de ansiedade e pânico, traumas e questões mal resolvidas do passado e farei com ela, estratégias de enfrentamento. Se queremos resultados diferentes, teremos que agir de forma diferente.

_ E precisa mesmo ser tão dura com ela.

_ Ela não tem respeito pela autoridade médica, não tem respeito por quem a trata como coitadinha. Ao contrário, ela considera isso um ponto a seu favor e não vai ter problemas em usá-lo.

_ Ela não parece saber o que está fazendo.

_ E não sabe. O subconsciente projeta a autodefesa dela automaticamente. Pode ver que toda vez que ela se sente pressionada, ela se coloca em posição de ataque/defesa.

_ Desculpa por esse questionamento todo. É que essa paciente em especial tem um significado para pessoas importantes e não quero que nada saia fora do controle. Ainda mais porque eu te recomendei com muito afinco.

_ Eu entendo sua posição. E esteja livre pra considerar a recomendação de outro profissional. Até porque não acredito no controle total de nada e não vou aceitar interferências, conjecturas ou interrupções se eu começar um trabalho com ela. Quero que entenda que, como cada caso é um caso, precisarei revisitar a história dela para saber como ela chegou nesse estado. Vou falar com familiares e amigos e já adianto que essa jornada costuma ser um tanto dolorosa no começo, por isso, a presença do psicólogo é útil. Somos nós que a manteremos com o pé no chão, quando estiver revisitando o vale. Como disse, esteja à vontade para indicar qualquer profissional da área que melhor lhe convier, eu entendo suas preocupações e ficarei à vontade com qualquer que seja sua decisão.

_ De forma alguma trocaria seu conhecimento e suas habilidades por outro profissional, conheço e admiro a qualidade de seu trabalho. Talvez tenha ficado um pouco chocado com seu tom para com ela, pois nunca a vi tratar qualquer um assim. Mas agora entendo que quer um resultado diferente e claro, melhorado e definitivo. Sei que sempre consegue bons resultados e será um prazer acompanhar de perto a evolução dessa menina.

_ Perfeitamente. Será um prazer tê-lo como companhia, mas quero que fique claro meu posicionamento e minhas objeções sobre interferências, interrupções e afins.

_ Ficou muito claro para mim. Poderia conversar com Margaret, ia ministrar um medicamento para que Selena pudesse diminuir a ansiedade, mas acho que você faria isso melhor.

_ Não já deu alta pra ela?

_ Sim, mas ainda não passei para enfermagem dar baixa.

_ Bom, então vou prescrever algo que alivie a ansiedade e que a deixe dormir. Farei uma lista do que ela precisa fazer pra aliviar a insônia. E claro, eu a quero nas reuniões esse ano ainda.

A pedido de Hiroshi, converso com sua amiga Margareth e deixo claro como se dará o tratamento, digo também que não prendo paciente e ela ficará enquanto quiser. Caso de interdições geralmente a família decide e tenho pra mim que não é o caso dela. Ela derrubaria uma clínica e faria todos os internos fazerem uma revolução num piscar de olhos.

Com tudo às claras, sigo meu caminho e vou visitar meus outros pacientes. Outro turno tumultuado de vinte e quatro horas me espera.






· Essa personagem foi criada em homenagem a uma querida amiga que me encantei no dia em que conheci. Ela tem um jeito único, intenso e maravilhoso. E mesmo que a vida nos deixe distantes, Dri você está sempre no meu coração e em meus pensamentos.

· Sim, esse é seu nome verdadeiro, a personalidade é similar e ela não é psiquiatra, mas é uma terapeuta maravilhosa. E com sua autorização, claro, postei sua foto e suas redes sociais, então fiquem a vontade pra segui-la.

JUNTANDO OS PEDAÇOSOnde histórias criam vida. Descubra agora