JUNTANDO OS PEDAÇOS

Capítulo 28 - Selena Piacessi

_ Boa tarde Selena. Fico feliz em revê-la. – Ela fala sorrindo pra mim.

_ Imagine eu então, que nem sabia que íamos nos rever. Fiquei sabendo hoje cedo. – Digo destilando ironia.

_ Entendo. Mas aparentemente você aceitou o tratamento de bom grado, estou certa? Porque se não for esse o caso, encerramos por aqui.

Essa mulher era doida mesmo, quem dispensa paciente em surto, ainda mais paciente pagante e bem caro, diga-se de passagem.

Aff... e depois, se ela não sabia a Maggie me mataria e ela mesmo faria terapia na minha bunda, se eu ousasse pular qualquer sessão.

Então abro meu melhor sorriso falso e respondo.

_ Não..., eu estou aqui porque quero e preciso, total e completamente de bom grado. – A médica ri, provavelmente sabendo o tamanho da minha mentira.

_ O importante é começar, pois esse é o passo mais difícil Selena. Ainda que esteja um tanto quanto relutante, nesse início. Tudo que eu peço é que se permita. Seja verdadeira, não comigo, afinal eu recebo você tendo ou não resultados. Mas seja verdadeira com você, com seus sonhos, com seus objetivos, com aqueles que você ama.

Continuo sorrindo, sem mostrar os dentes. Ela anota alguma coisa num tipo de caderno e pergunta:

_ Preparada? – Eu apenas aceno a cabeça em sinal de concordância. _ Ótimo. Então, vamos começar fazendo um relaxamento, com uma meditação guiada. É só seguir o que falo, está bem? – Aceno novamente, ela põe uma música de fundo e começamos.

Ela me dá algumas orientações de como respirar, no começo parece que não vou conseguir o tal relaxamento, mas a medida que tento seguir suas orientações, percebo meu corpo ficando mais leve, menos tenso e um pouca da ansiedade que estava sentindo parece ir se esvaindo.

Por um tempo, ficamos de olhos fechados, somente ouvindo a música e respirando, num silêncio profundo e confortável, até que ela diz numa voz baixa e suave:

_ Agora vamos voltando Selena. No seu tempo, quando estiver confortável, abra os olhos, solte o pescoço e os ombros e quando me der o sinal começaremos.

Eu ainda fico um tempo de olhos fechados, mas mexo o pescoço e me espreguiço. Depois pra não enrolar mais do que o necessário, abro os olhos e faço sinal com a cabeça pra começarmos.

_ Okay. Selena, tem alguns tópicos que acredito serem importantes abordamos, mas hoje eu gostaria de saber se tem alguma coisa que você queira me falar de livre e espontânea vontade. – Ela me olha nos olhos, me passando uma segurança que eu ainda não sinto. _ É sempre melhor quando estamos dispostos a nos abrir, tudo parece fluir mais facilmente. Não tenha medo, não há nada que não possa me dizer, não estou aqui pra julgar. Faça uma escala interna e pense nas primeiras três coisas que queira dizer. Não tenha pressa, faça isso no seu tempo e deixe fluir, somente aquilo que quiser e se quiser.

Eu penso por alguns minutos, olho em volta, o lugar chique onde estou. Lembro da pessoa que me proporcionou estar ali, penso em tudo que consegui esses anos, vejo tudo que eu tenho, o tanto que recebi de Maggie desde que saí daquela casa, daquele país, seja material ou não. Penso no amor que Cecilia sempre dedicou a mim, de tudo que ela fez pra me criar quando não tínhamos ninguém por nós. Lembro de Timothy e seus bracinhos carinhosos a me rodear, do sorriso fácil e gentil de Fred, do carinho de Theo e Guida, da amizade de Patrícia, da tristeza no olhar de Tristan quando eu o feri e mais uma vez recordo Cecilia, desmaiada e ensanguentada indo para o hospital, por tentar me defender.

Me recordo do abraço que minha irmã me deu, quando acordou, do nosso choro de alívio sabendo que Richard havia morrido. Lembro da pequena Cindy sendo enrolada num lençol depois de baterem nela e a sufocarem num jogo estranho, estupido e cruel. Ela nunca teve uma oportunidade, lembro que ela sofreu tanto ou mais que eu. Recordo do seu corpinho, já sem vida, sendo enrolado num cobertor e jogado no poço, lembro que ela nunca teve a mesma chance que eu. Ela nunca viu seu irmãozinho crescer, não sabe que Maggie tirou ele daquela família horrível e que agora ele é um garoto com um futuro brilhante no basquete. Cindy nunca mais sentirá dor ou tristeza, mas também nunca vai saber qual a sensação de ser amada de verdade, de ser abraçada e acariciada sem segundas intenções. Ela nunca teve a chance que eu tenho e que desperdiço por medo, tristeza, insegurança e raiva.