Capítulo 1 - Cecília Piacessi

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Diário de Cecília – Alguns anos atrás.

São três horas da manhã, minha mãe está bêbada e muito drogada, caída no colchão, que está no chão do quarto.

Em alguns minutos, sei que ele aparecerá naquela porta.

Eu conheço a rotina. Há três anos, acontece sempre da mesma forma.

Eles bebem e se drogam, ele a deixa largada no colchão e vem para o meu quarto e de Selena.

(*****)

Começou quando eu tinha recém completado treze anos.

Precisamente, seis meses depois que minha mãe, minha irmã e eu viemos morar com ele.

Ele era nosso príncipe encantado de armadura brilhante e cavalo branco.

Um homem perfeito, que tratava minha mãe como rainha e nós como suas pequenas e graciosas princesas.

Mamãe e ele namoraram por quase um ano e durante todo esse período, foram só flores.

Meu pai morreu quando eu tinha dez anos, três anos e cinco meses depois que minha irmã Selena nasceu.

Alguns dizem que ele se matou de desgosto, pelas traições de minha mãe, que diziam, não eram poucas.

Meu pai, minha mãe e eu somos brancos, quase transparentes de tão brancos. Meu pai era descendente de alemão e minha mãe de ingleses.

Selena nasceu uma morena linda, de cabelos cacheados e olhos claros.

No começo, eu muito nova e ingênua, pensei que ela tivesse sido trocada na maternidade, como minha mãe insistia em dizer para todos. Mas exames de DNA, que são uma das melhores invenções de todos os tempos, me provaram o quanto eu estava errada... então Selena era sim minha irmã, filha da minha mãe..., mas não do meu pai.

Creio que ele teve a prova disso no dia que morreu, na verdade desconfiou desde que ela nasceu, mas a certeza mesmo teve nesse dia, pois na carta que deixou para mim, continha o exame de DNA.

A carta era simples:

"Não tem ideia de quantos deslizes perdoei em nome do meu amor por sua mãe, em nome de ser um bom pai pra você e pra nossa pequena Selena. Infelizmente, nesse momento, não consigo ter amor nem mesmo por mim.

Tudo que sinto é um vazio enorme. Um buraco tão grande que parece que serei engolido por ele.

Acabo de perder meu emprego, ao que parece não sou confiável o suficiente para me manter alerta e perdi muito dinheiro e muitos clientes da empresa. Não posso culpar ninguém além de mim mesmo. Mabbel, meu único amigo e meu gerente, vem há alguns anos segurando as pontas comigo, mas tudo tem um limite e o dele finalmente chegou.

Ele marcou os psicólogos pra nós passarmos, indicou o psiquiatra, indicou uma clínica pra internar sua mãe, mas ela não quis. Meu amor por ela não me permitiu forçá-la. Ele me manteve empregado até agora e hoje, consegui fazer com que nós dois fossemos demitidos. O pior é saber que ele tem um filho especial e sem o emprego, não sei o que será dele e de sua família.

Não consegui olhar em seus olhos, a vergonha que senti foi tamanha, que nem sabia como me desculpar.

A mesma vergonha que sinto quando olho pra você, minha doce Cecilia ou para nossa pequena Selena.

Eu não sei mais quem sou. E por mais difícil que seja dizer isso a uma criança, eu já não sei quem sou faz muito tempo. Estou perdido, me sinto sozinho, vazio e com medo.

JUNTANDO OS PEDAÇOSOnde histórias criam vida. Descubra agora