Capítulo 19 ― Cicatrizes (Parte 6)

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Eles estavam se encarando há alguns minutos, ambos sem saber o que dizer um para o outro: Savannah, com a roupa rasgada, amarrotada e manchada de sangue, os loiros cabelos desgrenhados e um curativo no abdômen; Robert, sentado na cama alta da enfermaria improvisada, com a postura reta em decorrência das várias ataduras que imobilizavam seu tronco, com a parte de baixo de seu traje agora cortado também manchada de vermelho.

A garota acordara primeiro, sentindo-se imensamente melhor do que quando fora dormir algumas horas antes. Seus pais tentaram tirá-la dali, para que ela pudesse tomar um banho, trocar de roupa e ir para seu quarto, mas ela só se mexeu para sair da cama onde estava e ir sentar na poltrona antes ocupada por Ellen, os olhos se recusando a desviar de Robbie. Como Merritt e Marilyn tinham assuntos a resolver ― ou melhor, como eles tinham que limpar a bagunça dela ―, tiveram que deixá-la ali naquele estado, mesmo a contragosto. Entretanto, não saíram antes de fazerem-na garantir que ia ficar bem, tomar um analgésico caso sentisse dor e que ia explicar as coisas a Robbie do melhor modo possível, caso ele acordasse antes que os dois retornassem.

Então, Savannah ficou ali sentada, guardando o sono do garoto que amava, com mil perguntas correndo pela sua cabeça. Ela jamais havia imaginado que algo daquele tipo pudesse acontecer, quer dizer... Sabia que sua existência, por si só, já lhe trazia grande perigo. A proteção excessiva de seus pais, além da enorme paranoia, sempre deixara isso claro. Porém, nunca havia pensado que algo pudesse acontecer de fato.

O pior era saber que o motivo sequer eram suas habilidades, e sim um idiota criado de acordo com uma cultura estúpida que acreditava que, só porque ele queria, podia sequestrar uma garota com o intuito de mantê-la refém para o resto da vida, sob a justificativa de "amor". Savannah duvidava que, algum dia, algo a enojaria mais do que aquilo.

O peso em sua consciência atingia proporções inimagináveis e lhe jogava acusações a cada segundo que passava. Além de uma aberração, ela agora era também uma assassina. Havia usado de seus poderes de transformação para matar uma pessoa. Ela desconfiava que nunca mais ia conseguir deitar a cabeça no travesseiro sem pensar naquela noite horrível, no odor infernal de sangue, na sensação de pensar que poderia morrer a qualquer instante quando sentiu a dor da faca perfurando sua pele, do sentimento cortante que invadiu seu peito quando a vida de Joe se foi e ela sentiu o peso morto embaixo de si.

Sua vida nunca mais seria a mesma.

Ela nunca conseguiria esquecer aquilo, mesmo que tentasse por todos os segundos de todos os dias que lhe restavam.

E, é claro, isso tudo sem pensar no fato de que o único motivo que lhe levara direto até aquela armadilha de morte era Robbie.

Mesmo com tudo o que acontecera, a ironia do cenário não lhe escapava. Quando seus pais lhe explicaram o que havia acontecido com o que restara da fórmula, em razão daquele ridículo acidente de ônibus, uma das primeiras coisas que sua mãe lhe disse quando ficaram sozinhas foi que haviam garotos. E que Marilyn, como sua mãe, entendia que Savannah pudesse se sentir tentada a conhecê-los, já que não precisaria se esconder deles por compartilharem um segredo similar, mas que ainda não sabiam que tipo de pessoa eles eram e, portanto, seria melhor se ela se mantivesse afastada.

E, à época, ela rolara os olhos e declarara que não tinha o menor interesse em conhecer qualquer um deles. Adolescentes no ensino médio? Ela já tinha passado por lá e achava que não valia a pena o esforço de tentar algo fadado ao fracasso. Estava muito bem, obrigada, do jeito que estava.

Se houvessem lhe dito que ela não só conheceria um daqueles garotos, como também se apaixonaria por ele ao ponto de arriscar sua vida e o segredo que guardava desde que se entendia por gente, ela riria e não acreditaria nem sob juras de verdade.

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