Capítulo 16 ― Sequestro (Parte 4)

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Eles se encaravam. Ellen tinha uma confusão profunda nos olhos e fitava o garoto à sua frente, se perguntando de novo e de novo: quem era ele? Ela o conhecia? Porque ele obviamente sabia quem ela era. Mesmo que não tivesse feito aquela declaração sem sentido e a chamado pelo nome mais de uma vez, as fotos na parede deixavam isso claro. Ele não somente a conhecia, como também a seu pai, seu namorado e seus amigos. Sabia onde ela morava, estudava e passava seu tempo livre. Sabia o que ela podia fazer.

E, aparentemente, estava obcecado por ela.

Por que alguém ficaria obcecado por ela? O que ela tinha demais? Não se achava feia, mas sabia que sua beleza não anulava sua difícil personalidade. Seu mau humor, ironia e comentários ácidos jamais fariam com que fosse considerada uma pessoa simpática ou agradável. Ela era desleixada, sem muita paciência para se arrumar e só recentemente passara a se dedicar mais aos estudos. Não era riquíssima, mas seu pai possuía um patrimônio considerável em virtude da carreira bem sucedida e, além da habilidade com o fogo, o que via como uma pegadinha do destino, a única coisa que ela sabia fazer direito era escrever.

Qual era o problema com aquele cara? Ele obviamente pegara a garota errada.

― Eu não estou entendendo. Nada disso ― ela falou lentamente, apontando para o lugar em volta. ― Faz o menor sentido para mim.

― Eu queria tanto não precisar explicar... Mas você não entende. ― ele pareceu aborrecido, e soltou um suspiro dramático. Sua postura ficou mais rígida do que antes no momento em que, enfim, entendeu que aquilo seria necessário. ― Então, vamos começar logo com isso. O meu nome é Joe. Joe Wright. Tenho aulas com você desde que tínhamos catorze anos de idade. Você entrou na sala de aula e não falou com ninguém o dia inteiro... E eu soube. Soube que você e eu iríamos ficar juntos. Nós sempre estivemos destinados um ao outro, Ellen.

Então, a ruiva lembrou da sua primeira semana de aula na Yutch, de seu cabelo curto demais e suas roupas compridas demais. Estava em uma fase difícil, na qual precisava mais do que nunca da figura materna que lhe abandonara. Seu pai mal conseguia lidar com o fato de que ela já menstruava, quem dirá lhe dar conselhos sobre cabelo ou roupas. Ele tinha um talento inegável para construir personagens femininas, mas não fazia a menor ideia de como lidar com a própria filha... Ellen sempre se perguntou como o pai a enxergava: será que a via como uma pessoa real, de carne e osso, ou só como mais um de seus personagens saídos do papel?

Ela tinha certeza que nunca passou por uma época pior em sua vida do que a época na qual começou a frequentar aquela escola nova para crianças privilegiadas. E, entre as memórias frustradas e raivosas, conseguiu encontrar a dele. Joseph Wright, em seus catorze anos de idade e rosto mais infantil do que o que carregava naquele momento, lhe oferecendo um lápis durante as aulas, perguntando timidamente se ela queria um pouco do almoço dele, pedindo seu caderno emprestado para que pudesse terminar suas anotações... Como não o reconhecera de imediato?

A resposta era simples: depois de algumas poucas semanas, três, talvez quatro, eles pararam de se falar. Ellen não queria manter amizades. Não tinha nenhuma inclinação a criar laços com uma pessoa para depois ser abandonada, e era isso que os "amigos" faziam mais cedo ou mais tarde, ela sabia. Afinal, desde que sua famigerada mãe tinha ido embora, quantos dos "amigos" de seu pai haviam continuado a frequentar a residência dos Fawkner? Para fugir do garoto, ela tinha começado a sair com pressa das salas de aula e a recorrer a biblioteca nos intervalos do almoço.

Joe Wright fora apagado tão rapidamente de sua mente que ela sequer o reconhecia mais nos corredores. Se ele não tivesse dito seu nome, duvidava muito que conseguiria se lembrar.

― Eu resolvi esperar você perceber isso, a nossa conexão, mas o tempo passou e você nunca percebeu. Então, no ano passado, ele apareceu. Oliver Fleshwood, o estudante de ouro da Yutch Academy, melhor amigo de Peter Cartwright. Todos sabiam quem ele era e o que ele tinha feito alguns meses antes: tinha dado um chute naquela garota McGarden depois de um século de relacionamento, e ela tinha ficado tão devastada, que o melhor amigo dele resolveu consolá-la. ― a expressão no rosto do garoto era de desgosto, o qual ele não fazia a menor questão de esconder, como se repudiasse tudo que tinha acontecido entre eles, como se a ideia toda devesse ser considerada um crime, tão reprovável que era. ― E, dentre todas as garotas que queriam ficar com ele naquela escola ridícula, Oliver Fleshwood notou você. Mas, ao invés de te respeitar, como eu fiz, ele começou a correr atrás de você! Ele não te deixava em paz, mesmo você recusando, e eu sabia que era porque você não tinha com ele a conexão que tinha comigo. Você nunca ia aceitar os convites dele.

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