e s p e r a

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Eu estava cansada de esperar.

Cansada de fingir que não me importava com Pierre e o quanto machucava vê-lo com outras garotas estúpidas depois de tudo o que me fez.

Ele continuava seguindo sua rotina indo para a faculdade, bares e festas. Continuava agindo como um garotinho marrento e saindo com belas mulheres. Ele não havia mudado nem sequer 1% por mim. Ele jamais faria isso, até porque, Pierre era um erro irrevogável.

Pierre agrediu um cara simplesmente pelo fato dele ter me tocado. Isso só comprovava a mim mesma o quão doente ele era. Embora nunca tivesse agido de tal maneira comigo até aquele dia, não era segredo para ninguém que ele era problemático e possessivo.

Eu me lembro exatamente de cada segundo da semana que se sucedeu após tudo o que acontecera.

Lembro de ter ficado horas com o celular em mãos esperando uma maldita ligação ou uma mensagem. Eu queria que ele me procurasse porque eu não o faria e pelo visto, nem ele.

Pierre não me procurou. Não mandou mensagem e nem tentou qualquer outro tipo de contato.

Era como se não tivesse acontecido absolutamente nada. Como se ele sequer me conhecesse.

Mas eu é quem deveria ignorá-lo, não o contrário.

Não ter o maldito controle sobre aquela situação me irritava profundamente. Eu programei cada segundo da minha vida. Entretanto, tudo se tornou instável quando um novo sentimento começou a germinar em meu coração. Uma mistura homogênea de ódio e amor.

A-M-O-R.

Essa palavra me causava repulsa.

Porque os piores atos passionais com traços de crueldade foram movidos por isso.

O amor, aquele amor, não poderia jamais ser a salvação da minha alma se continuasse corroendo a minha carne. Mas a verdade é que estar amando para leigos causa o mesmo espanto que um anjo tem ao se queimar no inferno.

O veneno escorria pelo canto da minha boca quando eu falava em amor, pois sempre que eu despertava algo que vinha de dentro, a morte também acordava.

Em uma manhã qualquer, dias após o aniversário de Pierre, eu calcei o tênis, encaixei os fones nas minhas orelhas e fui fazer uma corrida em um parque à algumas quadras da faculdade. Não era longe, também não tão perto, então realizei um aquecimento antes de sair.

O céu estava nublado e o clima úmido. Eu não sabia qual seria a previsão meteorológica para aquele dia, mas estava a fim de aproveitar ao máximo meus precisos segundos de liberdade.

Não era uma pessoa considerada "ativa" quando o assunto era relacionado a exercícios físicos, contudo ainda assim remexia meu esqueleto em algumas corridas ou caminhadas pelo parque, uma vez que não me adaptaria facilmente à rotina de academia.

Meu corpo era simples. Não tinha o padrão das modelos de capas de revistas. Eu era totalmente comum. Na minha bunda redonda havia furinhos de celulite como em qualquer outra e na minha barriga, por exemplo, se formava dobrinhas quando eu me sentava.

Tinha um quadril largo e a cintura fina, peitos naturais — se assim posso chamar aqueles que nem são tão grandes e nem tão pequenos — pele parda, e pernas torneadas. Meu corpo não era o mais belo ou o que despertava a atenção de inúmeros homens por onde passava, mas ainda assim era o meu corpo, perfeito com todas as suas diversas imperfeições.

Meu cabelo estava em um tom desbotado do vermelho-vinho e eu já não tinha ânimo para ir no salão realçar sua cor. Na verdade, eu não tinha ânimo de nada a não ser comer alguma porcaria e seguir a maldita vida rotineira que eu levava.

Correndo, eu dei algumas voltas por todo o parque sentindo a maravilhosa sensação do clima meio escuro causado pela a neblina. Sei que pode parecer doentio uma garota ser atraída pela escuridão, mas eu era assim... e talvez isso explique muitas coisas.

Após 45 minutos, a minha pele já queimava e o meu coração batia forte no peito. Eu estava exausta e a pele ardia com o suor salgado escorrendo.

Sentei num dos bancos de madeira reciclada do parque ecológico e respirei profundamente na tentativa frustada de recuperar o fôlego. Eu deveria parar de fumar. Isso me mataria qualquer dia desses. Então, após isso, fechei os meus olhos brevemente e olhei para o céu cinza.

Não vi nada além do meu vazio.

Naquele instante percebi que eu estava completamente sozinha, e que sem Pierre eu não teria mais ninguém. Muito embora eu nunca tivesse dado a devida importância, isso não aliviava aquela sensação angustiante que mastigava o meu coração.

Eu estava arruinada e já não sabia dizer ao certo como havia perdido o controle de tudo.

A verdade é que eu sentia falta de Pierre e nada no mundo nunca me fez tão mal.

Meu coração estava apanhando, mas ainda sabia bater. Minha vida estava arrasada, mas algo prevalecia: meu sonho adormecido de ser livre e voar.

Eu não iria atrás de Pierre e isso estava decretado.

Ele é quem havia saído da minha vida, não o contrário. Então ele é quem deveria correr atrás para retomar ao seu lugar, pois se dependesse de mim, pro inferno eu o mandaria.

***

No diário de Hazel Jenner no dia em que saiu para a corrida no parque:

"Eu não espero um príncipe encantado, nem tampouco um salvador que irá purificar a minha carne e livrar a minha alma. Também não espero que eu seja amada, nem que um dia alguém encontre beleza nos meus mais desprezíveis defeitos. A verdade é que eu nunca espero nada e nem ninguém. Acredito que quando as coisas têm que acontecer elas simplesmente acontecem.

Em alguns momentos eu só desejo voltar a ser criança, pois naquela época eu me alimentava de sonhos e vivia uma doce ilusão; hoje eu me alimento de realidade e permaneço viva apesar das contrariedades de um amargo e constante pesadelo.

Vivo pensando sobre isso desde quando eu acordo até quando eu me deito: Como que em um dia, apenas um dia, tudo fez-se noite dentro de mim."

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