f a r o l

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Sempre que Pierre olhava para mim, uma dor árdua nascia em meu peito. Aquele era o olhar do amor, mas também o olhar do ódio e possessão.

Pierre tinha as respostas para tudo na ponta da língua e sabia como usá-las e como me fazer acreditar que tudo seria diferente apesar das dificuldades. Mas nada nunca mudou.

A verdade é que eu enxergava cores onde só havia escuridão. Eu percorria cegamente uma estrada que me levaria ao abismo.

Era loucura amar. É loucura amar.

Mas meu corpo, minha mente e a minha alma estavam presos àquele sentimento que me consumia lentamente como o fogo que queima o cigarro.

— O que você espera de mim?

Sua voz invadiu o meu inconsciente e me arrastou para um mar de incertezas.

Naquele instante, enquanto ele olhava para mim embaixo de estrelas e de frente para o porto, eu me pegava pensando em como seus olhos brilhavam a medida em eu apagava.

Doía estar perto dele, porque Pierre me machucava.
E aquele seria apenas o começo de como tão rápido chegaríamos ao fim.

— Eu não espero nada. — Respondi friamente, sem ter que aumentar a voz para que ele me ouvisse, pois Pierre conhecia o meu silêncio.

Encarei o mar e as embarcações de madeira atracadas. Bem lá no fundo da escuridão, a luz pálida do farol refletia na água negra enquanto a lua cheia se derramava no horizonte.

Apertei a mandíbula e me mantive fixa naquela paisagem portuária sombria.

Estávamos na linha final da nossa cidade, no cais do porto de Bistrol. Eu não sabia qual era a real intenção de Pierre ao me trazer naquele lugar, mas entendia que ele desejava me manter distante dos outros e perto apenas de si. Porque aquele era o extremo de tudo. O fim. E nós estávamos ali juntos pela a primeira vez depois de muitos anos.

A maré estava mansa, mas a corrente de ar que vinha do extremo sul era o suficiente para que meus cabelos vermelhos voassem, o que proporcionava um certo desconto.

Sentada na beirada da ponte ao lado daquele quem me prometia trazer a destruição, eu contemplava a imagem fria daquele mar de ego.

— Mas eu espero. — Pierre resmungou olhando para baixo. — Eu espero que você entenda o meu lado ao menos uma vez, Hazel.

— Entender o seu lado? — Sorri amargamente ao olhar para ele. — Você quer que eu entenda o seu lado? — Ele confirmou com a cabeça, mas sem direcionar os olhos até mim. — Então me diga, qual é o seu maldito lado?

Pierre se manteve calmo ao estabelecer o equilíbrio dos seus sentimentos, se é que ele tinha algum.

— Eu não pude me controlar ao vê-lo te tocando.

Ele falava com tanta naturalidade que chegava a me dar nojo.

— Mas por quê?

— Porque ele não deveria te tocar daquela maneira, Hazel, e sair ileso. — Olhou para mim.

Franzi o cenho.

Pierre precisava de ajuda, pois aquilo que ele estava sentindo era doentio. Nunca, em hipótese alguma, eu esperei que ele se levantasse de onde estava sentado para vir atacar o cara com quem eu simplesmente dançava. E mesmo que ele tivesse todos os motivos do mundo para socar o rosto de Tyler, isso não deixaria de ser cruel e assustador.

— Você é louco. Nós éramos amigos, porra! E você sumiu após isso sem sequer se explicar. Como quer que eu entenda o seu lado? Como quer que eu entenda a loucura que se passa dentro da sua mente? — Minha voz estava embargada de raiva e dor, enquanto meu coração era perfurado por minúsculas agulhas envenenadas.

Os olhos de Pierre estavam na altura dos meus. Em sua face não havia sombras de emoções. Ele estava estável e calmo como sempre. Era como se em toda e qualquer circunstância ele fosse sempre superior.

E aquilo não poderia ser mais injusto. Digo, a paz que ele exalava enquanto o meu mundo explodia em guerra.

— Não é como se eu não me importasse, mas eu precisava me manter longe de ti depois de tudo. Eu não quero machucar você, Hazel. — Ele sussurrou a última parte como uma confissão sombria.

Estávamos perto o suficiente para nos tocar ou nos destruir.

— Há alguma possibilidade disso acontecer, Pierre? — Minha voz soou baixa e arrastada, enquanto eu tentava reorganizar meus pensamentos dentro da cabeça.

— Muitas. — Confirmou.

E naquele momento eu soube que Pierre não viria com flores, apenas com os espinhos. Que ele não me aqueceria a alma e sim a faria queimar no inferno. No seu próprio inferno particular.

Os traços do seu rosto tão bem definidos eram de se impressionar.

Mas os seus olhos que sempre estavam bem atentos aos detalhes possuíam uma visão distorcida da realidade. Pierre sempre enxergou o universo de sua maneira odiosa. Ele era problemático e louco.

Pierre representava perigo para as outras pessoas, mas nunca a mim, ao menos até aquele instante quando vi que estávamos sozinhos em um lugar desértico. Ali ele poderia fazer o que quisesse comigo e ainda assim ninguém nunca descobriria.

Eu já não me sentia segura ao seu lado. Pierre me invadia e proporcionava um fenômeno de dilaceração nas minhas células.

Ele enrolava e queimava a minha alma como um cigarro.

O medo estava gritando em meus olhos. Eu estava assustada e ele assistia a tudo aquilo sem dizer sequer uma palavra.

— O que fizeram com você? — Minha voz saiu tão baixa que eu sequer pude ouvir, mas ele sim, entretanto, preferiu não responder, apenas se aproximar mais de mim.

Nossos rostos estavam colados um no outro e eu conseguia ouvir o som do seu choro em meus ouvidos.

Pierre me abraçou como um viajante abraça o mundo e então se desfez em lágrimas.

Sim, ele estava chorando.

Parecia mais assustado do que eu e me abraçava tão forte a ponto de sufocar.

Eu permanecia ali, imóvel, sem conseguir processar o que estava acontecendo.

Ele estava me abraçando de começo, mas então acabou por me apertar e aquilo fez-se doloroso.

Pierre estava me agarrando e me arrastando para o seu universo sombrio e depressivo. Eu não conseguia sequer me mover.

— Você... — minha voz falhou. —Você está me sufocando.

Tudo acontecia tão rápido que eu nem ao menos vi o momento exato em que ele se afastou de mim bruscamente e me empurrou tão forte que eu caí para trás e meus cotovelos colidiram com a madeira.

Pierre se levantou tão rápido quanto se sentou e saiu andando na direção oposta, em seguida, desapareceu na escuridão.

Ele simplesmente foi embora sem dizer absolutamente nada, me abandonando para trás sozinha naquele porto sem ter como voltar.

E nada tinha sentido. Nada.

Controlei a respiração e corrigi a postura. Os meus cotovelos ardiam e sangravam.

Pierre havia me agredido.

Mas não apenas ao meu corpo e sim a minha alma.

Pierre havia rasgado a minha alma e a confiança que eu tinha por ele.

Mas eu não chorei, também não gritei e sequer fui atrás dele.

Apenas encarei o farol engolido pela a escuridão e respirei pela a primeira vez depois de tudo o que ele fez.

Talvez meu erro tenha sido procurar o brilho dos seus olhos na escuridão.

Talvez o meu erro tenha sido esperar flores de alguém que fez do próprio coração um jardim de espinhos.

O que haviam feito com ele eu não sabia.

Mas o que ele havia feito comigo... Ah, isso eu jamais poderia esquecer.

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