FLY

a p o c a l i p s e

Agredir Sabine me custaria caro e eu previa isso. Sabia que não poderia sair impune após bater com sua cabeça na parede e abandonar a mesma desacordada. Eu imaginava que algo de ruim viria em seguida, mas não tinha ideia do que realmente me esperava. Não até aquele instante.

Pierre havia sugerido o que eu já tinha idealizado, então fomos dormir na casa de seus pais que, ficava justamente em frente ao meu antigo lar. Como já era tarde da madrugada e eu não queria incomodar meus avós, simplesmente me arrisquei ao entrar em seu carro novamente e deixá-lo me conduzir até o destino final.

Eu estava exausta, mas lembro de não ter trocado sequer uma palavra com Pierre durante o percurso inteiro até onde me mantive acordada. Então, antes mesmo de chegar até a casa dos seus pais, eu adormeci profundamente.

Pierre Montgomery sempre fora imprevisível e eu sabia que em algum momento ele me deixaria impressionada ao cometer alguma de suas loucuras. Assustador era a palavra que resumia seu comportamento explosivo.

Mas como uma triste e tonta formiguinha, eu sempre traçava o caminho de volta até ele atrás daquilo que apenas ele tinha para me oferecer.

Talvez eu estivesse viciada. Oh, sim. Certamente eu estava viciada. Mas após provar seu beijo tudo realmente se acendera dentro de mim para só depois apagar por toda a eternidade.

_Você quer que eu lhe sirva um pouco de chá, querida? - Carmen sorriu amigável.

_Não, obrigada. Eu prefero uma dose de uísque. - retribui o sorrio com outro e uma gargalhada explodiu para fora dela.

_São sete horas da manhã. Quem toma uísque em jejum? - ela questionou-se, empurrando um pedaço de torrada com geleia de frutas vermelhas para dentro de sua boca.

Eu dei de ombros e olhei para Pierre que já olhava para mim.

Ele estava sentado do meu lado usando óculos escuros para tampar os hematomas em seus olhos, pois certamente seus pais não gostariam de ver aquilo em seu lindo rosto moreno.

Pierre respirou fundo tentando manter a mínima paciência que existia dentro de si, espetou o garfo na torta de limão e o levou até a boca. Seus olhos já haviam sido direcionados para a mesa e não mais para mim. Ele estava ainda mais silencioso que o normal.

Eu conhecia aquela velha história, Pierre não amava os pais adotivos e eu sequer conseguia entender o porquê. Porém, sabia que algo bem mais profundo estava por trás daquela birra adolescente. Afinal de contas, ele deveria ser grato por aqueles que lhe deram uma família, certo?

_Como está na faculdade, Hazel? - Victor me lançou um olhar calmo por cima da xícara de café expresso que acabara de levar até a boca.

_Nada que eu possa reclamar - respondi no tom neutro de sempre lembrando que eu estava envolvida em mais problemas do que eu poderia contar. - O curso de psicologia me completa.

_Me sinto orgulhoso, Hazel. Pude te assistir crescer ao lado de Pierre e saber que hoje vocês estão felizes realmente me faz sentir realizado. - Victor parecia estar sendo sincero, mas por trás daquelas palavras havia um ponto de insegurança, eu conseguia sentir. Ele não se orgulhava do filho, pois sabia que ele era encrenca e que não tinha solução. Já Carmen sempre tentava contornar seus erros e fazer com que a paz prevalecesse entre pai e filho, apesar desta possibilidade ser nula.

Murmurei um "obrigada" com um sorriso amarelo e desviei o olhar para os azulejos da parede da cozinha.  A casa dos Montgomery era impressionante e muito confortável. Às vezes parecia triste a ideia de que Carmen e Victor morressem ali sozinhos, mas por outro lado, longe de Pierre e de todos os males que ele transmitia, os benefícios eram bem maiores.