s a l v a - m e

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As batidas da música eram como tiros vindo de dentro do apartamento. As paredes de concreto vibravam fortemente e quanto mais próxima da porta eu ficava, mais próxima eu me sentia da verdade assustadora por trás dela.

Eu não entendia como ninguém havia arrancado Yago daquele apartamento, e embora eu não soubesse exatamente o que estava acontecendo lá dentro, eu sentia que não era algo bom.

Eu tirei a chave da bolsa e destranquei a porta do inferno. Custei um pouco a abrir realmente, pois sentia algo do outro lado fazendo força contrária, mas assim que a abri, me deparei com um verdadeiro cenário de guerra. Era como se um tufão tivesse passado por ali, a casa estava destruída, as paredes pichadas, os objetos quebrados e até um pedaço da fiação elétrica caindo do teto.

O odor também não deixava a desejar, uma mistura de álcool, maconha, urina e fezes. Por Deus, nem um chiqueiro de porco poderia ter um ar tão contaminado. A música de dentro do apartamento era ainda mais alta do que lá fora, era como se uma rave tivesse acontecendo, e realmente estava.

Havia pessoas por todos os lados pulando e se drogando, um cara desacordado jogado ao lado da porta, uma garota encima do balcão da cozinha injetando algo em suas veias e um casal homossexual transando encima do sofá. As pessoas estavam quase todas seminuas embaixo da iluminação azulada de néon. Nem o inferno parecia ser tão assustador.

Eu havia sumido apenas por dois dias e ao voltar me deparei com um verdadeiro cenário pós apocalíptico.

As pessoas vagavam como zumbis de um lado para o outro ao som do trap pesado, e nenhuma delas parecia realmente estar bem, mas a vida de ninguém ali tinha alguma importância para mim, ninguém excerto uma ou duas pessoas...

Yago e Pierre.

Sai correndo em meio a multidão, empurrando corpos suados para o lado e abrindo caminho. Subi os degraus da escada e fui direito para o corredor, abri a porta do quarto de Yago violentamente e para a minha surpresa encontrei um homem e duas garotas praticando um ménage selvagem. Senti ânsia de vômito e o desespero aumentar. Bati a porta e me virei na direção contrária, meu quarto, destranquei a porta com a minha chave e para a minha felicidade ou infelicidade encontrei tudo igual ao que vi quando sai de casa.

Só me restava apenas mais um cômodo da casa: o banheiro. Nessa hora o desespero já tomava de conta do meu corpo e o medo sussurrava baixinho que eu iria encontrar algo que jamais esqueceria.

Fui correndo até o fim do corredor e empurrei a porta com toda a força e ali encontrei um garoto loiro magricela jogado no chão, abraçando os joelhos e tremendo assustadoramente no escuro. Seus olhos azuis brilhavam de medo no meio da penumbra, suas retinas negras estavam completamente dilatadas e em meio ao vômito, as drogas e a podridão das suas mágoas, ele chorava.

_Yago... - eu sussurrei aterrorizada, colocando a mão na boca para não gritar de horror. Eu nunca tinha visto uma cena tão deplorável.

Ele me olhou abruptamente e gritou de pavor, me assustando ainda mais. Estava só de cueca, com sangue espalhado pelo corpo por causa de feridas mal tratadas como quem rasga a própria pele.

_Quem é você? O que você está fazendo aqui? - esbravejou apavorado, se contraindo contra a parede. Olhou em volta procurando algo dentro da escuridão e se desesperou mais ainda. - Eles chegaram! Eles chegaram! Porra, eles chegaram! Eu preciso me esconder! Tem baratas encima do meu corpo! Socorro! Tem baratas encima de mim! Tira! Tira! Socorro! - gritou se debatendo, arranhando sua pele loucamente e arrancando mais sangue.

Eu não sei o que eu senti exatamente vendo o meu melhor e talvez único amigo naquele estado, mas certamente fora uma das coisas mais terríveis que presenciei. Meus olhos refletiam seu medo, sua loucura, seu desespero enquanto ele caía dentro de um abismo psicodélico em transe. Yago estava delirando e eu precisava encontrar alguma maneira de ajudá-lo sem que antes ele me machucasse.

_Yago, sou eu, Hazel. - eu tentei dizer, mas ele pareceu sequer me ouvir.

Yago se levantou em um movimento rápido e preciso, entrou no box do banheiro, fechou a porta de vidro e começou a gritar de pavor. Estava escuro e eu não conseguia enxergar precisamente em meio aquele cenário úmido e tenebroso, mas ainda assim via sua sombra correndo de um lado pro outro enquanto ele se debatia e se arranhava achando que tinha verdadeiramente baratas andando pelo seu corpo. Yago ligou o chuveiro e se jogou embaixo dele ainda gritando. Sua voz penetrava fundo na minha alma e voltava ainda mais forte.

Eu estava paralisada assistindo à sua ruína sem poder fazer absolutamente nada.

_Me salva! Me salva! Eu estou me sufocando. Eles chegaram e vão me matar. Eu vi, eles estão com você! Vadia, filha da puta! Você que fez isso comigo. Eu não quero morrer. Tem baratas dentro do meu ouvido. - Yago gritava fora de si.

Eu tremia e rangia os dentes de medo, pois eu nunca o vi daquela maneira. Embora tivesse estudado psicologia, eu não tinha a menor ideia do que fazer.

Respirei profundamente tentando me acalmar, sai do banheiro e encostei a porta. Peguei o celular no bolso da jaqueta e disquei o número de Pierre desesperadamente.

_Hazel, que bom que você ligou... - ele suspirou parecendo feliz e aliviado, mas eu o cortei logo de cara.

_P-Pierre, Yago está su-surtando e eu n-não sei o que fazer. Preciso da sua ajuda ou ele vai acabar se matando. - gaguejava de nervoso enquanto olhava para o nada.

Houve um breve instante de silêncio, até que Pierre disse seriamente:

_Que dia é hoje?

_Vinte e sete, sei lá. Mas o que isso tem a ver? - respondi confusa.

_Merda! Tudo a ver, Hazel. Hoje faz quatro anos que a irmã do Yago morreu. Eu deveria ter me atentado sobre isso e não tê-lo deixado sozinho. Porra! Porra! - eu conseguia imaginar Pierre socando a parede, pois ouvia o barulho do outro lado. - Onde você está?

_No apartamento.

_Ótimo! Estou chegando aí em cinco minutos. - e finalizou a chamada.

Eu permaneci paralisada por dentro e então pisquei algumas vezes caindo sentada no chão. Abracei minhas pernas e com os sentimentos em combustão me peguei pensando que as melhores pessoas sempre têm uma dor a esconder.

Yago também tinha a dele. Eu não sabia exatamente o que estava acontecendo, mas muito provavelmente tinha a ver com a irmã dele. Isso só comprovava que Yago era tão fodido quanto eu. Isso era terrível. Ele precisava se libertar.

Todos nós precisávamos.

_Salve-me. - Yago sussurrou do outro lado da parede e eu estremeci.

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