t r a i ç ã o

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Em algum futuro distante nós somos o passado de alguém e todos os nossos pecados estão perdoados. Em um futuro distante somos uma lenda imortal embora nossa vida e, consequentemente nossa história, seja um mero suspiro ecoando na eternidade.

Oh, mas meu amor sobreviveu a maldade do tempo, e eu vivi essa história para que os outros pudessem contar. Um amor tóxico mas verdadeiro, aquilo que me fez sorrir e sangrar.

Não me arrependo nem sequer de um único segundo. Não hoje, é claro, entretanto, naquela época eu ainda não conseguia compreender por que o que ele fazia comigo ninguém mais conseguia.

Naquele dia, eu me sentei no cais do porto onde as pequenas navegações atracavam e encarei de modo desafiador a gigante bola de fogo que se derramava na água, emitindo uma sombra que se estendia até mim. Enquanto tragava um cigarro e bebericava um pouco de Jim Beam na minha garrafa whisky de mental. Eu lembro de estar com muita, mas muita raiva de mim e também lembro de sentir uma incomensurável vontade de gritar. Era horrível a sensação de ter o grito preso na garganta pois isso era semelhante a espinhos rasgando minha carne. Eu sentia raiva de mim e também sentia raiva do mar, simplesmente porque eu saberia nadar se eu tentasse me afogar.

Não era de fato a minha intenção ceifar com a vida naquele momento, mas eu estava presa a um mundo de ilusões e precisava urgentemente me libertar e eu sentia que não o faria presa naquela vida miserável. Era assustador ter que sussurrar meus pensamentos baixinho para que meus demônios não escutassem, me esconder em lugares escuros para não os acordar... Viver uma vida de mentira e nem sequer desfrutar de tal coisa.

Respirei fundo, dei um gole na minha bebida e fiz careta. Era amargo como o inferno, mas também doce como mel. Eu não precisava ficar necessariamente bêbada para estar alcoolizada. O álcool me deixava sim mais agressiva e precipitada, mas também me acalmava e me trazia segurança até para falar. Eu era uma alcoólotra doente e de merda, eu não conseguia manter a sobriedade por muito tempo. O álcool e o cigarro já faziam parte de mim.

_Aquela vagabunda não tinha troco para cem dólares, acredita baixinha? Acho que se você estivesse no meu lugar naquela hora teria socado a cara dela. - Yago disse rindo, se aproximando com duas sacolas em mão. Estava um pouco menos pálido que normalmente e consequentemente com o nariz e as bochechas vermelhas decorrente ao sol.

Ele ficava ainda mais bonito à luz do dia. O rosa do seu cabelo estava desbotado, suas madeixas já possuíam quase que o seu tom natural. Meu cabelo também estava da mesma forma. O vermelho sangue agora tinha tom de vinho, um tom um pouco mais vibrante que o meu castanho natural.  

Tirei a franja da cara e a coloquei atrás da orelha sorrindo ao ver ele chegar. Yago se sentou ao meu lado e fez careta ao encarar o sol.

_Essa porra nunca vai se pôr? Estamos esperando aqui há horas! - resmungou mexendo nas sacolas sem ter que necessariamente olhar para o interior delas.

_É impressão minha ou o senhor anda mais reclamão que normalmente? - eu ri dele e ele me encarou com ousadia.

_Cale a boca, Hazelzinha. Eu estou normal. - Levantei as mãos em sinal de rendição e continuei a rir. Yago tirou um sanduíche da sacola e deu uma grande mordida fugindo do meu olhar. - Eu conheci uma garota muito interessante no hospital. - ele comentou como quem não quer nada.

Ergui uma das sobrancelhas maliciosamente.

_Hmm... - eu me empurrei em sua direção lhe dando um pequeno empurrão com o ombro. - E quem é ela? Oh, o que é isso que eu estou ouvindo? Seria sinos de casamento?

Yago olhou pra mim com o rosto todo corado de vergomha.

_Oh, cale a boca! - ele riu com a boca cheia de comida e eu ri da sua cara sapeca. Yago parecia uma criança. Aquela sua pureza acompanhada de malícia era algo encantador.  - Ela é enfermeira, cuidou de mim quando eu estava internado. Era ela quem furava minha bunda a força quando eu me recusava a engolir a merda daqueles medicamentos.

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