j a r d i m

963 149 62
                                    


O olhar de Karla vagou pelo vazio do meu ser e se estendeu até às profundezas do meu inferno subterrâneo. Eu travei o maxilar, ergui o nariz triunfante e tentei manter a pose de superioridade, mas a verdade é que por dentro eu estava totalmente deteriorada. Aquela sensação cortava mais que facas, e vê-los abraçados era como ser forçada a engolir cacos de vidros.

Eu sabia que Pierre fazia muito mal a ela, o mesmo mal que fazia a mim ou talvez até pior. E isso era demasiadamente humilhante. Digo, o fato de estar implorando a atenção de alguém que quer me ver na pior. E apesar de não saber ainda quais eram suas reais intenções comigo e com Karla ao mesmo tempo, eu previa que não eram as melhores.

_O que essa garota está fazendo aqui? - Karla perguntou se voltando a Pierre como se eu simplesmente não fosse nada.

_Estou aqui por causa do meu amigo. E o que você está fazendo aqui? - bebi um pouco mais do meu álcool, cruzei os braços em deboche e sorri a encarando fixamente nos seus olhos vermelhos.

_Estou aqui por causa do meu amigo. - a mulher loira vestida totalmente de preto colocou sua franja longa atrás da orelha e me encarou de maneira enigmática.

_Suponho que esse seu amigo seja o Pierre.

_Pierre e eu nunca fomos amigos. - Karla resmungou desviando o olhar para seus coturnos sujos.

Eu olhei para o moreno alto ao seu lado e tive a leve impressão de tê-lo feito corar.

_Vocês já se conhecem, então já podem quebrar esse clima estranho. Não é hora para isso agora. - Pierre anunciou autoritário e se afastou de nós duas caminhando para outra direção.

Eu franzi o cenho e voltei a encarar Karla após perder Pierre de vista logo que o mesmo desapareceu naquela imensidão de corredores.

Karla me encarou de volta inexpressiva. Estava pálida e aquela luz clara de hospital só realçava isso. Ela não parecia bem. Talvez ela é quem necessitasse de atendimentos médicos.

Lembrei do que Pierre havia me dito em uma ocasião anterior, e percebi que não poderia tratar ela como vilã quando na verdade, de alguma maneira, ela é quem era a vítima. Havia perdido dois filhos seguidamente, e estava, segundo Pierre, com uma infecção terrível a corroendo sem parar por dentro.

Senti uma ânsia de vômito, coloquei a costa da mão sobre a boca impedindo que eu jogasse o álcool para fora e esperei até me acalmar.

_Você está bem? - Karla questionou, se aproximando para me acudir antes que eu caísse no chão. Eu assenti com a cabeça meio zonza sentindo uma de suas mãos na minha costa e a outra segurando meu braço.

Minha cabeça baixa, isso fazia com que meu curto cabelo vermelho completamente repicado ficasse todo jogado para frente. Isso era bom, pois enquanto meu rosto se mantivesse encoberto, minhas emoções também estariam mascaradas.

_Eu... - tentei dizer, mas novamente um nó amargo que eu fui obrigada a engolir em seguida subiu pela minha garganta. - Eu estou bem!

_Certeza? - eu conseguia imaginar uma das suas sobrancelhas arqueadas.

_Sim, claro. - sussurrei, me soltando. Dei uns passinhos para o lado e levantei a cabeça para olhar no seu olho vermelho. Suas pupilas estavam dilatadas e envolvidas por duas íris incrivelmente brilhantes. Era hipnotizante. Ela não parecia chapada, mas estava. Suas pupilas não negavam. Sorri de lado achando graça. - O que você usou?

Ela não moveu sequer um músculo facial não demonstrando sequer uma emoção, mas eu continuei com aquele sorrisinho ridículo nos lábios porque na verdade eu estava provocando-a.

FLY Onde histórias criam vida. Descubra agora