g a i o l a

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Eu sempre considerei a prática de prender passarinhos em gaiolas sádica e assustadora. Era uma terrível ameaça a liberdade de seres que assim como nós só desejavam voar.

Pássaros presos em gaiolas são como prisioneiros do próprio desejo, do instinto selvagem e da ânsia de bater suas asas. A gaiola para um pássaro é como um centro de reabilitação para dependentes químicos, ambos são viciados e ambos são prisioneiros não da cela em que estão confinados, mas sim do desejo e da vontade de sentir-se livre.

Porque a liberdade às vezes aprisiona e a prisão às vezes liberta, talvez não ao corpo, mas a alma perdida em meio a tanta lama e podridão.

Eu me sentia assim, como um pássaro engaiolado, como um dependente químico em abstinência, como uma alma presa em um corpo que não é seu lar.

As horas pareciam não passar dentro daquela cela e a minha própria sanidade parecia estar se despedindo de mim lentamente como antes desejasse me preparar para o que estava por vir. Pois apenas um louco sabe manter o controle quando o controle já não o mantém.

Olhando pela grade quadrada na parede, eu via a claridade do sol lá fora, os pássaros no céu e a luz de um dia lindo e promissor àqueles que estavam do outro lado. E enquanto eu encarava silenciosamente os meus limites, eu podia alcançar bem mais além do que estava imposto. Porque a verdade é que muitas pessoas passam a vida inteira imaginando como sair de um buraco que talvez seja raso e fácil de escalar. Tudo isso acontece porque elas ao em vez de olhar a sua volta a procura de um lampejo de luz, mantêm os olhos voltados ao seu próprio mundo, a sua própria escuridão.

Eu não conseguia acreditar que aquele era o meu limite porque eu tinha que ir além. Meu corpo todo formigava e ardia como se alguém tivesse passado pimenta nele. Eu estava inquieta ao mesmo tempo que reservada demais. Minha mente não parava de processar e torcer aqueles velhos pensamentos. Eu sentia e isso realmente me assustava, a ideia de que eu deveria sair dali.

— Você não parece ter experiência nesse lugar. —Drina comentou com um olhar desafiador quase de quem se sente orgulhoso por saber que aquilo era verdade.

Eu dei de ombros e torci o tecido da camiseta preta de Pierre que caía quase como um vestido em mim. Estava deitada na cama de concreto imaginando o mundo lá fora e como eu faria para voltar para lá.

— Eu não tenho experiência em lugar nenhum. Sabe? Não consigo me encaixar — ri amargamente. — Nem mesmo aqui.

Ela estalou a língua e se levantou da sua cama, do outro lado da cela. A ruiva gorda estava deitada encima de mim e ainda gemia baixinho enfrentando uma terrível crise de choro desde antes de eu chegar ali.

— Eu sei como se sente, mas prefiro fingir não compreender. Então, por que está dizendo isso? — quis saber Drina, rodando pela a cela entediada.

Eu contorci um pouco a minha face, não entendia o porquê do súbito interesse em minha vida, mas aquilo que me dizia me fez repensar e processar sentimentos e fatos ocorridos no passado.

— Eu não sei — me perdi em meio aos detalhes, cenas, memórias que encontrei —, todas as minhas lembranças são trágicas e tristes. Cada acontecimento da minha vida despertou uma sensação diferente e todas eles resultaram em desequilíbrio, mágoas e dor. Como se tudo o que eu tivesse vivido e que ainda vou viver fosse apenas um pretexto e um passo adiante na estrada que me leva para o fim.

Houve um breve instante de silêncio, até que Frankie, a amiga da garota, se manifestou pela a primeira vez com a voz trêmula e embargada por emoções profundas.

— Eu entendo perfeitamente como você está se sentindo.

Eu arqueei as sobrancelhas, esperando que ela continuasse, mas não o fez.

Ela estava deitada na cama de cima do beliche encima de mim e apesar de não poder vê-la realmente, eu conseguia imaginar ela fitando o teto assim como eu o fazia.

— Eu não me arrependo do passado, nem tampouco me orgulho dele. Mas acredito que tinha de ser assim, não havia outra forma. — Drina cuspiu as palavras, refletindo sobre si mesma. — Claro que, se eu pudesse mudar algumas coisas, eu mudaria. Mas eu não tenho esse poder mágico e poderoso, tenho apenas vergonha e ao mesmo tempo coragem de ser quem eu sou.

— Uma prostituta apaixonada! — Frankie revelou, mas eu não entrei em estado de choque e nem fiquei surpresa. Não era de subjugar as pessoas por suas vestimentas, mas a roupa que Drina usava realmente insinuava alguma coisa e eu tinha percebido isso no exato momento em que pus meus pés naquele lugar.

— Sim, eu sou a porra de uma prostituta apaixonada. Mas e daí? Quem se importa com toda essa merda? É o meu trabalho. É assim que eu levo a vida. Essa daqui sou eu.

Falava alto e em bom tom, deixando claro seu descontrole e suas emoções. Ela era o tipo de mulher que fazia escândalo e que tinha uma luz interior tão forte quanto a escuridão dos seus olhos. Ambas as coisas às vezes se encontravam e ali é que morava o perigo: nem ela mesma sabia quem estava no controle.

— Você disse que não se orgulhava disso. —Frankie provocou.

— Cala a boca, gorda! — Drina rosnou. — Já entrei em problemas demais por sua causa, agora eu preciso achar uma maneira de fazer contato com o mundo lá fora, caso contrário, vamos apodrecer nesse lugar.

Foi então que seus olhos me encontraram e todo o seu rosto se iluminou.

— Você! — Ela praticamente gritou, mas eu não dei atenção. — Santo Deus, como eu não pensei nisso antes? — Estava eufórica. — Você vai me ajudar, Hazel. —Ela declarou como se fosse um lei nacional.

Eu me virei de lado na cama, pisquei os olhos algumas vezes e a encarei.

Meu pai sempre me disse para não confiar em estranhos e que não há nada tão bom que não possa se tornar ruim.

Mas lá estava eu, de frente para uma prostituta que eu sequer conhecia e que estava me pedindo um favor. Eu deveria negar e seguir o sábio concelho do meu pai ou simplesmente ajudar aquela desconhecida?

— Tá maluca? Como ela vai nos ajudar? — Frankie jogou a cara para fora da cama e a encarou irritada ao mesmo tempo que assustada demais para acreditar que Drina estivesse mesmo falando sério.

— De todas as formas, ora. Eu sei que você tem uma família e pessoas que se importam com você te esperando lá fora e que não vai demorar muito para você sair daqui, Hazel. Então eu preciso que você faça contato com alguém lá fora para que esse alguém pague a minha fiança e eu finalmente saia desse inferno.

— E por que você não faz uma ligação aqui mesmo da cadeia pedindo ajuda a essa pessoa? — Eu questionei.

Ela mordeu os lábios e olhou para os lados.

— Eu não posso. — Sussurrou como se fosse segredo, e naquele instante eu percebi que tinha algo por trás dessa história.

Meu alerta vermelho anunciava confusão.

— O que você quer que eu faça? —Eu disse por fim.

E ela suspirou aliviada por eu aceitar sua proposta, em seguida sorriu e se aproximou.

— Preciso que você vá amanhã nesse lugar nessa hora atrás dessa pessoa. — Ditou as coordenadas me olhando friamente nos olhos e eu estremeci.

Eu deveria ir ou ignorar o chamado do destino? Não sabia o que responder.

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