d e m ô n i o s

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— Eu tento fugir disso o que me tornei já faz alguns anos. - Deu um gole no uísque sem gelo, franziu as sobrancelhas e olhou adiante. - Mas é tão bom sentir o gosto da fúria em meus lábios e o poder em minhas mãos. Isso não custa nada, apenas a minha alma. Amanhã, quem sabe, eu me arrependa disso tudo. Mas agora não tenho porque me arrepender. Sei que os cem arrependimentos chegaram um por vez no momento certo. Até lá estarei desfrutando do que plantei - deu de ombros -, mas todo o amor que recebo não parece ser suficiente para suprir as necessidades mais obscuras da minha carne. - e olhou para mim. - Nada é suficiente. Nada.

Senti um arrepio na minha espinha. Respirei fundo e pisquei algumas vezes.

_Já se olhou no espelho? - eu perguntei em um sussurro, devagar para não assustar a fera.

_Sim. - travou o maxilar e voltou a olhar para fora da janela, lá longe onde as luzes brilhavam.

_Se reconheceu alguma vez?

Damon rosnou.

Eu me encolhi, receosa.

Ele olhou para baixo e com meus olhos eu segui seus movimentos pela sala até o piano.

Sentou-se com a postura impecável. Deixou o copo de uísque encima do piano negro e brilhante que era como um animal adoecido.

Vi através da escuridão seus olhos negros como a própria noite procurar pelo brilho dos meus.

_Não. - respondeu simplesmente, em um pigarro seco e curto.

_Então não sabe quem você é? - questionei, novamente cautelosa.

Estava sentada com as pernas estendidas encima do sofá de couro. Era um estofado confortável e elegante que combinava com toda a escuridão daquele lugar.

Damon estava mais ao centro da sala com seu piano bem a frente o encarando impassível.

Havia um cigarro entre meus lábios naquele momento e algumas cartelas de analgésicos na mesinha de apoio ao lado. Eu havia tomado cinco comprimidos para a dor, não entendia como eu não tinha adormecido ainda de tão anestesiada.

Sim, eu não sentia mais a dor, apenas o vazio que ocupava a maior parte da minha alma.

Aquilo sim doía. Aquilo na verdade queimava.

_Eu sei quem eu sou. Apenas não sei quem eu me tornei. É diferente, Hazel. - Damon respondeu finalmente, deslizando os dedos pelo teclado do piano. Ele começava a elaborar um som calmo, grave e profundo que ecoava por toda a sala. Uma melodia triste e sentimental, que saia das profundezas da alma de um pobre diabo injustiçado.

E era tão doce ouvi-lo tocar que eu poderia jurar jamais ter ouvido algo tão bonito em toda a minha vida.

_Então me diz: Quem você é, Damon?

Ele olhou para mim sem parar de tocar sequer um segundo.

Vi um sorriso maldoso nascer no canto de seus lábios, então deduzi que não tinha ido longe demais..

_Sou alguém que através da guerra encontra a paz. - e desviou o olhar.

Eu era estudante de psicologia. Eu entendia que talvez Damon tivesse sérios problemas com a realidade certamente dolorosas de suas fantasias. Por isso buscava a paz através do caos que impunha e se sentia endividado, quase como se não merecesse tudo o que possuía. Era como se nada bastasse para tirá-lo daquele inferno por pelo menos um segundo.

_Isso parece perigoso. - eu comentei dando um trago em meu cigarro e soprando a fumaça em seguida bem devagar, pensativa.

perigoso.

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