e s c o l h i d o s

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Eu nunca consegui me adaptar a bipolaridade de Pierre, nem tampouco as barreiras que ele estabelecia entre nós. Era como se na mesma intensidade em que ele me puxasse, ele tentasse me expulsar para fora de sua vida. Ele não conseguia lidar com seus próprios problemas, não queria ajuda, mas acabava arrastando as pessoas para seu buraco negro junto consigo.

— O que porra você pensa que está fazendo, porra? — Eu gritei, saindo de dentro do carro e batendo a porta tão forte a ponto de amassar a lataria. — Eu não acredito que você acabou de tentar um suicídio coletivo!

Minhas mãos tremiam e a respiração falhava. Eu não conseguia controlar mais o meu tom de voz —sempre neutro ou baixo demais — e nem tampouco o meu nervosismo. Eu estava em estado de choque e mal conseguia me manter de pé. Era como se eu estivesse perdendo o chão.

— Hazel — Pierre chamou, estava rindo alto enquanto caminhava atrás de mim a medida em que eu me distanciava. — Eu só estava brincando. Qual é?

Minha garganta pegava fogo e todo o resto do meu corpo congelava. Eu estava tensa e fria como uma pedra de gelo, mas por dentro eu era queimada viva sem ter como gritar por socorro.

Senti a mão dele envolver o meu braço, em seguida me puxar bruscamente.

Eu olhei para Pierre a contragosto. Eu não conseguia processar nem os meus próprios pensamentos, tampouco os dele.

— Para de brincar comigo.

— Não era a minha intenção te assustar. — Sussurrou, enterrando a mecha de cabelo vermelho atrás da minha orelha. — Por favor, me desculpa.

Eu lembro de estar inexpressiva naquele instante. Não era mais como se eu estivesse revoltada e assustada diante dos fatos, mas também não era como se eu não me importasse com merda alguma. Eu apenas estava inexpressiva e fechada para seu mundo enquanto ele tentava se abrir para o meu.

— Você é doente, Pierre. — Eu disse como se ele ainda não soubesse, mas sem demonstrar qualquer emoção. Olhava fixamente em seus olhos castanhos que nunca me pareceram tão escuros tanto quanto naquele momento.

Seu olhar curioso vagou por meu rosto até chegar em um ponto abaixo do meu nariz e em seguida, meus olhos novamente.

— Você também.

E foi simplesmente o que ele disse após longos segundos de silêncio. Era como se ele já estivesse acostumado com a ideia de que estava cavando sua cova cada vez mais fundo, mas nunca com a ideia de se enterrar ali. Ele preferia optar por uma morte mais lenta e dolorosa, e oferecer o mesmo para todos aqueles que o amavam.

Eu franzi o cenho, sem ser capaz de protestar quando suas mãos tocaram minha cintura. Se ele me puxasse um pouco mais para perto a distância seria nula entre nós, e se ele me afastasse, estaríamos para sempre em pólos opostos do universo.

Eu nunca vou ser capaz de dizer o que poderia ter sido e não foi. Não cabe a mim julgar o destino, mas algo dentro de mim revela que, se eu tivesse me virado e ido embora naquela noite, muito sangue e desespero teria sido polpado. Noites de tormenta não seriam tão avassaladoras.

— Você está próximo demais. É melhor pararmos por aqui. — Tentei ir contra o meu destino.

— A última coisa que eu quero é parar por aqui.

Eu estava obcecada no formato da sua boca. Era linda e parecia ser muito macia.

Tornei a olhar na altura dos olhos de Pierre.

— Você está me provocando. Não quero estragar ainda mais a nossa amizade.

Estar na defensiva era uma maneira de me proteger.  Porque o que eu sentia por ele era uma mistura homogênea de ódio e amor.

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