n e u r o s e

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Não importa o quão grande seja o lugar onde estamos, às vezes não parece haver espaço suficiente para imensidão que habita em nós. Por vezes dolorosa, por vezes silenciosa, nossas ambições e nossos sonhos permanecem confinados em uma gaiola, pois as mesmas coisas que deveriam nos libertar são as que nos mantém confinados e as coisas que deveriam trazer paz provocam guerra.

Eu me sentia invisível. Era como se meu corpo estivesse presente, mas minha alma não. Em todos os lugares por onde eu passava eu deixava um rastro de dor e destruição. Aquilo ardia em meu peito, porque eu nunca quis ser vendaval.

Um vendaval de ilusões.

No fundo eu só desejava que alguém me enxergasse como eu verdadeiramente era, que me encontrasse, que se tornasse meu lar. Mas eu sabia que todas as minhas ambições não seriam nada além de sonhos desperdiçados. Afinal de contas, ninguém tem coragem suficiente para fazer de um monstro um animalzinho doméstico.

Dei um gole no uísque e apertei o cenho pensativa.

Eu havia adquirido uma tolerância a álcool muito forte, algo que me forçava a beber desde as primeiras horas da manhã até o último segundo que eu vivia ainda acordada. E eu não conseguia escapar disso porque eu estava viciada naquela ciranda de fogo.

Tinha consciência de que aquilo estava me matando, mas também sabia que eu não conseguia mais viver sem. Eu era dependente de dor e sem pequenas doses mortais eu já não me sentiria viva.

As drogas destroem as pessoas. Não conseguia me recordar onde isso começou a me fazer mal, mas do começo ao fim eu já estava condenada. Era uma pecadora, um anjo caindo, uma amiga íntima da morte, e estava sentenciada ao inferno que só eu poderia habitar.

Meu lar? Não, meu lugar. Pois era lá onde eu iria ficar no fim, abandonada por todas e invisível para todo o resto do mundo. Porque é isso o que o álcool faz com as pessoas: Ele te leva ao paraíso ao mesmo tempo que lhe reserva um lugar especial no inferno.

No seu próprio inferno particular.

E ele também acelera todas as funções dos nossos corpos, aumenta o prazer, intensifica a dor. É uma estrada de mão dupla. Tudo tem um preço e cada segundo de amor é um a mais de ódio.

Cada minuto de paz provoca em alguém cem anos de guerra.

Mas bem, naquela época eu sequer tinha noção do quão mal eu estava. Apenas queria aproveitar o restante da minha vida sem compromissos ou responsabilidades. O dinheiro da herança do meu pai estava rendendo em uma poupança. Aquilo iria durar por um bom tempo se eu fizesse economia. Não era muito, mas era o suficiente para eu me manter. Talvez eu aplicasse em algum negócio autônomo e então quando eu começasse a obter lucro eu voltasse a estudar em outra faculdade já que eu havia sido expulsa da antiga.

Eu não estava afoita com essa ideia, era algo que estava amadurecendo dentro de mim e que talvez, só talvez, desse certo. E eu realmente queria acertar ao menos uma vez.

Eu precisava conversar com alguém que entendesse de negócios, e esse alguém era Damon River. Mas antes que eu pudesse mandar uma mensagem marcando um encontro, um convite de ouro apareceu de repente que cancelou todos os meus outros compromissos.

"Temos que conversar. Por favor, apareça no hall de entrada. Estou aqui fora." - Pierre.

Com uma simples mensagem e intensões perturbadoras, ele conseguiu o meu sim. E claro, eu sempre diria "sim" mesmo quando minha vida dependesse exclusivamente de um "não".

Visualizei a mensagem e travei o maxilar. Todos os meus músculos estavam tensos.

Yago apareceu na sala com um baseado entre os lábios.

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