Escrevendo#23 - Desenvolvimento de cenas

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Assim como a matéria é dividida em átomos, as histórias são divididas em cenas.

Geralmente as cenas iniciam com técnicas e modelos semelhantes, com poucas variações a cada obra.

No capítulo de hoje eu pretendo trazer alguns desse tipos de modelo e explicar seu funcionamento em um texto.

1) Antecipação: Aqui é preciso apresentar um desequilíbrio ou prender o leitor com algum detalhe de algo maior do que vai acontecer mais a frente.

"Ele não sabia ainda, mas aquela seria a última vez que veria o rosto dela"

Falta pouco para que o marido dela chegue em casa. Dessa vez, vai pegá-la no flagra.( Trecho de A Mulher na Janela)

2) Enigma: Crie um mistério indecifrável para o leitor e, também, para seu personagem. Às vezes, esse mistério trata-se muito da expectativa. Se você leu um trecho e quer muito continuar, saber as respostas, então ele funciona como um enigma.

"Às vezes, como num sonho, vejo o dia da minha morte. É uma coisa meio espírita, um flash. E, embora a mulher não apareça, sei que é por causa dela que estão me matando. E tenho tempo de saber que não me deixa infeliz o desfecho da nossa história. Terá valido a pena" ( Trecho inicial de Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios)

3) Descrição: A forma com que você descreve pode chamar atenção para aquilo que se quer contar. Com uma câmera interna ou externa, aproximando-se ou se afastando da realidade, você pode dar atenção especial àquilo que se quer contar.

" Queimar era um prazer.

 Era um prazer especial ver as coisas serem devoradas, ver as coisas serem enegrecidas e alteradas." ( Trecho de Fahrenheit 451)

Dizem que só pessoas mal intencionadas andavam pela cidade de Tiroteio depois do anoitecer. Eu não tinha más intenções. Nem boas.(Trecho inicial de A Rebelde do Deserto)

4) Peixe fora d'água: O personagem ou o narrador não consegue se adaptar a situação em que está inserido. É um excelente pontapé inicial.

Setecentos e trinta e três dias depois da morte da minha mãe, 45 dias após o meu pai fugir para se encontrar com uma estranha que ele conheceu pela internet, 30 dias depois de a gente se mudar para a Califórnia e apenas sete dias após começar o primeiro ano do ensino médio numa escola nova onde conheço aproximadamente ninguém, chega um e-mail.( Trecho inicial de Três Coisas sobre você)

5) Direção inesperada: Você escreve algo que parece caminhar para uma direção e de repente caminha para outra coisa. A partir daí você pode contar sua história. Essa é uma boa ferramenta para quebrar clichês, apresentá-los na trama, mas fazer algo totalmente inesperado com eles.

" A coisa que eu mais odeio nesse mundo começa com PRE e termina com TO. Isso mesmo, preconceito."

Esse exemplo aí foi bem didático. Talvez você trabalhe em um capítulo inteiro essa direção inesperada. O importante é mexer com as expectativas do seu leitor. Dar um possível desfecho e pegá-lo no pulo com um outro diferente.

6) Simples e concreta: A forma mais fácil de começar uma cena. Não complique. As pessoas ao redor precisam entender o que você está dizendo. Eles precisam entender algo.

"Quando me dei conta pela primeira vez de que eu talvez fosse fictícia, meus dias úteis eram passados numa escola na região norte da cidade de Indianápolis, chamada White River High School, onde forças maiores que eu — tão maiores que eu nem saberia por onde começar a identificá-las — delimitavam meu almoço a um intervalo de tempo determinado, entre 12h37 e 13h14" ( Trecho de Tartarugas até Lá Embaixo)

7) Ouvinte: Coloque alguém para ouvir a história. Ele pode interferir fazendo objeções ou simplesmente ouvir e se transformar no decorrer da cena ou da história. Toda a introdução de O Nome do Vento é bem isso. Mas ao contar a história de quem ele foi na juventude para seus acompanhantes, ele nos transforma em seus ouvintes também.

8) Discurso direto: Iniciar a cena com um trecho de jornal, uma notícia, e-mail, mensagens, enfim algo que permita o reconhecimento da situação em que os personagens estarão inseridos.

"Trecho do Jornal Tribuna de Garvin,

  3 de Maio de 2008, repórter Angela Dash

  A atmosfera na cantina do Colégio Garvin, conhecida como Praça de Alimentação, pode ser descrita como ‘sinistra’ pelos investigadores que trabalham na identificação das vítimas do massacre ocorrido na sexta-feira de manhã." ( Trecho inicial de A Lista Negra)

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