Sonho realizado

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A ambição faz com que nossas mentes funcionem de uma maneira curiosamente cruel. Não me atentei a esse detalhe quando, na manhã seguinte, tive meus mais infelizes pensamentos. Todo meu foco se voltara para o fato de ter em mãos uma matéria promissora.

Liguei para meu chefe enquanto coava café e esquematizava mentalmente meus próximos passos. Ele atendeu com voz sonolenta. Expliquei rapidamente o acontecido. Ele ficou em êxtase total e disse que eu deveria me apressar, afinal, a matéria de capa do Jornal da Hora seria alterada.

Meu coração parecia estar em chamas tamanha era minha alegria. Meu nome estaria em uma matéria de capa pela primeira vez. A matéria que tanto sonhei!

Após tomar meu café da manhã, vesti-me com terninho preto e camisa branca. Prendi o cabelo em um rabo de cavalo alinhado e passei maquiagem em uma composição discreta. Precisava estar elegante.

Meia hora depois, me encontrei com meu informante. Um policial corrupto que trabalhava na delegacia e que era responsável pelo caso do morto no beco.

Não trocamos palavra alguma. Ele apenas me entregou um envelope e eu entreguei outro.
Havia dois mil reais naquele envelope. Era o preço para ter informações privilegiadas. Alto, mas necessário. Depois o jornal me ressarciria.

Caminhei até meu carro, deixei para abrir o envelope apenas quando já me encontrava dentro dele, em segurança. Dentro do pacote havia um relatório feito pelo IML.

O homem encontrado carregava na carteira todos os documentos. Foi facilmente identificado. Tinha quarenta e três anos, um metro e sessenta de altura, trabalhava como contador, solteiro, e fumante. Até então nada fora da curva da normalidade, mas aí vinha a parte macabra da história. Aparentemente a causa da morte foi o esmagamento de seu rosto.

Imaginei o quão agonizante e doloroso aquilo devia ter sido. O relatório também dizia que o homem não foi movido após sua morte, o que me levou a refletir que, se ele havia morrido ali, porquê não pediu ajuda? Outro detalhe fora inserido no relatório: além das roupas e dos documentos, em suas vestes fora encontrada uma rosa colombiana de cor amarela. Nada fora do normal, talvez fosse presentear alguém.

Terminei de ler e guardei os papéis de volta no envelope.
Meu próximo passo seria visitar o velório do defunto. Felizmente a cidade só  tinha um lugar destinado a este tipo de rito e com sorte o corpo e os familiares estariam lá.

♠♠♠♠

E estavam.

Munida de óculos escuros e com uma sacola de pães de queijo adentrei o recinto. O plano era simples, ser confundida com a funcionária da funerária que levava os alimentos.

Funcionou perfeitamente bem.
Pude ver o caixão lacrado, possivelmente não deixaram a mãe ver o estado do filho. Eu sabia bem quem era a mãe, quase sempre era possível identificar de imediato. As mães sempre se lamentavam com frases como “Meu filho, não!”, era terrível de assistir.

Sempre me senti incomodada ao ver o choro das mães, elas não mereciam tamanhas tragédias.
Senti-me um pouco mal quando saquei o smartphone da bolsa e discretamente fotografei o cerimonial. O que eu fazia era horrível, mas era a história da minha vida.

Após tirar várias fotos, me retirei discretamente, parei brevemente apenas para analisar uma coroa de flores. Era bonita. E pensar isso era mórbido demais.

♠♠♠♠

A redação se encontrava praticamente vazia, com exceção das pessoas necessárias para mudar o jornal daquele dia, cuja tiragem já atrasara.

Escrevi a matéria na velocidade da luz, ainda assim ela tinha uma ímpar riqueza de detalhes. O tom, é claro, era totalmente impessoal. Eu não gostaria que soubessem da minha presença em nenhum daqueles lugares.

Quando eu terminara de escrever minha matéria, a moça da recepção chegou para me entregar um pequeno embrulho.

— É seu. — Avisou e depois colocou o pacote sobre minha mesa.

— Obrigada. — Agradeci e assisti ela partir.

Finalizei meu trabalho e relaxei. A partir de então eu precisaria aguardar o resultado e vigiar a investigação policial sobre o assassino.

Finalmente abri o embrulho que descansava sobre minha mesa. Era uma caixa de bombons com um post-it amarelo grudado sobre ela. Nele haviam escrito um número de telefone e um convite. No final, a assinatura de Miguel. Era um convite para uma ida ao cinema naquela mesma noite.

Saquei o celular da bolsa e liguei para ele, que me atendeu imediatamente. Aceitei o convite e informei que estava ansiosa para reencontrá-lo enquanto minha mente divagava na lembrança de seus beijos.

Foi naquele instante que Isac chegou com seu corpo magro, estilo discreto, cabelos castanhos da cor de chocolate e olhos combinando. Era meu amigo já fazia muitos anos, desde nossa infância, na verdade.

— Trabalhando no sábado? Peixe grande. — Brincou.

— Enorme — informei —, assassinato com requintes de crueldade.

— Seu sonho se realizando? — Estudou cuidadosamente minha expressão.

— Claro que sim — fui franca —, este é meu momento de glória. Eu pago o almoço.

— E isso na sua mão? — Ele olhou para a caixa de bombons.

— Apenas um convite. — Respondi enquanto colocava a caixa na bolsa.

Tudo certo. Fomos almoçar como sempre fazíamos durante a semana, mas dessa vez, em meu sábado de glória.

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Wattpad transformou meus travessões em hífen.

Me mata.

A Rosa do Assassino [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora