Quando minha mãe voltou do julgamento de Schukrut, me encontrou muito melhor. Estive tão absorta em minha tristeza que não me dei conta da perda do enterro de Arlete. Fiquei arrasada porque ninguém me avisou do “evento” e até censurei Miguel por isso, mas eles quiseram me proteger e eu compreendia. Talvez eu fizesse o mesmo se estivesse no lugar deles.
Comecei a balancear em pensamentos que, durante minha vida, fui inúmeras vezes uma estúpida. Só que não ao ponto de provocar um assassino. Eu já tinha ficado triste, mas não a ponto de perder o enterro de alguém que era importante para mim. Minha madrinha de casamento. A mulher que me ajudou a consolidar meu sonho de me unir a Miguel.
Sempre que eu pensava nisso, sentia um aperto no peito.
Quando minha mãe chegou do julgamento e me contou sobre Isac, percebi que eu tinha negligenciado nossa amizade. Fazia poucos dias que não nos víamos, mas pelos últimos acontecimentos eu sentia como se fosse uma eternidade. Eu sabia que tinha começado a negligenciar nossa amizade muito antes.
A Nia que eu era antes de me apaixonar por Miguel não deixaria Isac se perder pelos caminhos, viver como um fanático mal intencionado, ser preso em uma clínica, quase assassinado e ter que lidar sozinho com uma perda arrasadora. Quem eu era antes de perder a direção da minha vida? Uma mulher que teria descoberto a identidade de um assassino, de um psiquiatra macabro e até mesmo de um alien disfarçado.
Em outros tempos eu comprava policiais, investigava pessoas, era quase uma detetive assim como Nico. E naquela altura de minha vida, desde minha lua de mel, talvez até antes disso, eu era perseguida por uma sombra cujo rosto era o do meu marido, mas cujo caráter era o oposto. Ele não tirou apenas meu sossego. Aquele homem subtraiu minha capacidade de usufruir da minha liberdade e conquistas. O assassino tirou meu poder sobre o meu mundo e eu não sabia os motivos daquilo.
Eu não tinha colocado atenção na situação até aquele dia.
Eu sequer sabia qual era a aparência atual de Isac. Minha mãe dizia que ele mudou, mas eu não conseguia imaginar, porque eu não estive lá durante os últimos dias.
Em meu casamento ele estivera triste. Nem mesmo o consolei. Minha mãe percebeu a tristeza que eu sentia enquanto discutíamos os acontecimentos do dia. E, como boa mãe e mulher perceptiva que era, não deixaria escapar a oportunidade de me devolver aos trilhos.
— Nia, faz alguns dias que você nem fala com o Isac. — Comentou.
Miguel se levantou da mesa e sumiu de vista, talvez estivesse nos dando oportunidade de conversar a sós.
— Eu sei. — Admiti.
— Não sei o que você está esperando. — Ela levantou e pegou um copo com água.
— Aconteceram tantas coisas... — Minha mãe não sabia tudo e eu não podia contar.
— Sim, e algumas das “coisas” aconteceram com ele. Imagina como foi fugir da morte sendo considerado um criminoso e assistir a morte da pessoa que o salvou — ela se sentou novamente para olhar no fundo dos meus olhos.
— Eu nem consigo imaginar a sensação.
Sinceramente eu não conseguia imaginar. Era uma história surreal. No entanto, eu entendia exatamente o que minha mãe queria me dizer.
— Nia, talvez esteja na hora. — Suspirou profundamente. — Eu sei que ele errou, e isso realmente me choca, mas ele não encostou sequer um dedo em você, não te fez mal algum, e agora ele está diferente, é perceptível.
— Eu gostava de como ele era antes. — Isac era um amigo perfeito. Leal, honesto, sincero e inteligente. Eu não podia pedir mais.
— Então você vai gostar mais ainda de como ele está agora. — Sorriu ligeiramente. — Um pouco vingativo, é verdade, mas mais maduro. Você vai perceber.
— Entendo. — No dia seguinte, eu faria uma visita.
♠♠♠♠
Foram horas e horas tentando acalmar o ódio que me consumia.
Meu humor oscilava com a mesma frequência que um adolescente fala gírias. Triste, irado, triste, arrasado, triste, arrependido por não ter assassinado Schukrut, triste... Assim seguia. Em um dos piores ataques de fúria, fiquei agressivo demais. Nico tentou argumentar, e quando não teve resultados, resolveu com um soco na barriga. Eu tinha minhas dúvidas se os direitos humanos apoiariam aquela atitude, mas ninguém poderia dizer que não funcionou.
Já era noite e eu estava na cela pensando o que faria da minha vida quando saísse dali. Planejando um novo tempo que não incluía Nia.
♠♠♠♠
— Sabe sogra, estive pensando, acho que seria bom para nós se nos mudássemos daqui. — Falei.
Jantávamos. Nia fazia um esforço para acompanhar nosso ritmo, mas ainda havia tristeza. Escondido no corredor, ouvi quando a mãe dela aconselhou a visitar Isac. Concordei silenciosamente com aquele incentivo. Ele era um bom amigo e talvez seus sentimentos estivessem diferentes. Poderíamos conviver em harmonia.— Acho ótimo que meu marido tenha discutido antes comigo sobre uma mudança. — Nia ironizou com os olhos semicerrados.
— Talvez seja uma boa idéia. — Lianmar concordou comigo, era a melhor sogra que eu podia ter.
— Mãe! — Nia parecia uma adolescente cujos pais acabaram de dizer algo muito constrangedor.
— Minha filha, você gostaria de uma mudança? — A mãe dela fez questão de direcionar a pergunta e o olhar.
— Eu não sei... Aqui tem meu trabalho e amigos... — Nia ponderou.
— Sim, nós podemos nos decidir com calma. — Entrei na cozinha enquanto revelava que ouvira a conversa. No ritmo dela, como ela quisesse. Era assim que funcionaria.
Nia passou o restante do jantar em completo silêncio enquanto eu e Lianmar conversávamos sobre lugares que seriam bons para morar. Dos mais agitados aos mais calmos, era uma promessa de recomeço, uma fuga para Nia.
♠♠♠♠
Miguel tinha dormido primeiro, toda a casa estava em silêncio e Nia olhava para o escuro do quarto. Refletia sobre a possibilidade de se mudar para longe daquela cidade. Talvez as pessoas não morressem mais por culpa dela e toda aquela tristeza acabaria. Fez o possível para passar a imagem de que estava bem, e conseguia, quando a mãe ou Miguel lhe davam apoio. Era consideravelmente mais fácil se eles estavam por perto, principalmente sua mãe.
Nia realmente visitaria Isac no dia seguinte, de preferência sozinha. Ela precisava sentir uma conexão verdadeira e segura com alguém que realmente a conhecia. As outras pessoas tinham partes dela, mas Isac sabia tudo.
Com os olhos doendo como se estivessem retalhados e uma exaustão mental esmagadora, se levantou e foi até a cozinha para tomar um copo de água. Era seu ritual. Todos os dias antes de dormir fazia isso, depois de muito tempo o gesto ficou automático, mas nos últimos dias tudo mudou. Olhou para as paredes e lhe ocorreu que as câmeras não foram instaladas, o que era um grande abuso já que pagaram pelo serviço.
Nia voltou para o quarto, de deitou e suspirou. Miguel parecia um anjo enquanto dormia. Ela se apoiou no peito dele e dormiu.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Rosa do Assassino [Concluído]
Mystery / ThrillerNia vivia sua tranquila vida como jornalista local de uma cidade pacata, mas seu grande sonho era escrever sobre um importante caso, um que arrebatasse a cidade, que causasse frisson e pânico. A jornalista desejava ascender às custas do caos que ape...