Jogo da humilhação

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Nico parecia apreciar o sabor da comida. O que eu achava excelente. Eu ainda não sabia como faria para retribuir o enorme favor que ele fez ao me esconder em sua casa, mas devia existir alguma maneira.

Tivemos uma reunião bastante difícil e acalorada, claro. Foi tenso admitir os vários problemas que tínhamos a nossa volta. Nós ou eu? Eu. Com certeza, eu. Claro que estar na casa de Nico fazia com que eu arriscasse minha liberdade. Era a toca do leão. Um deslize. Eu seria preso e entregue à justiça. Não teria como provar nada e nem como me defender.

Problemas, muitos problemas.
Eu precisava salvar Djéfani, provar minhas acusações contra Schukrut, contra Miguel, e ainda por cima, descobrir quem era o assassino.

Nico não resolveu o caso. Ele era sim um detetive incompetente. Ou talvez estivesse perdido no redemoinho de problemas que se formou depois que toda essa história complicada começou.

Não era um caso fácil, mas havia maneiras de encontrar pistas. Por exemplo, o veneno. Era preciso comprar em algum lugar. Eu não conseguia pensar em uma maneira de comprar em segredo algo tão perigoso. Essas coisas deixavam rastros, mesmo quando adquiridas em um mercado informal.

O assassino, fosse quem fosse, tinha uma plantação de roseiras. E não era pequena. Era neessário cuidar delas de uma maneira especial. Eu, como bom entendedor de botânica, sabia bem que para rosas colombianas se desenvolverem tão bem longe de seu habitat natural, era necessário muito cuidado e capricho em sua cultura. Talvez instrumentos especiais, adubo ou terra importada. Uma estufa engenhosa também. E não tinha como todas essas coisas serem transportadas sem que ninguém percebesse. Será que Nico tinha pensado nisso? Ou ele estava tão certo de que eu era o assassino que nem mesmo se deu ao trabalho de uma investigação mais profunda.

— Sabe Nico, há pontas soltas. Eu entendo um pouco de botânica e sei disso. — Era preciso começar o assunto de algum lugar. Se desafiasse o detetive, eu não ficaria com a vida mais complicada do que já estava. Eu não era o assassino, não havia o que temer. — Rosas especiais precisam de cuidados especiais.
Nico tomou um gole de seu suco e me analisou com uma expressão desconfiada.

— Então você faz meu trabalho melhor que eu? — Pousou o copo sobre a mesa com força em uma tentativa de me intimidar. Que se danasse. Eu já era um homem condenado. — Por que não entrou para a polícia ao invés de portar armas ilegalmente?

— Talvez eu entre. Quando sair dessa enrascada na qual você me meteu, detetive. — Não consegui me segurar, meu ego estava falando mais alto que a razão dele.

— Tente. Com seus antecedentes não vai conseguir. — Sua boca formou um meio arco que considerei absolutamente revoltante. Estava claro que eu precisaria vencer o jogo da humilhação antes de conseguir expor minha idéia.

— Se eu provar que sou inocente, não será preciso que me preocupe com antecedentes, nem com vaga, já que a sua estará disponível. — Na escada para o inferno, eu tinha descido mais um degrau.

— Naaah... Já que você realmente possuía uma arma ilegal, acho que não preciso me preocupar. — E com isso ele me deu um xeque. — E você realmente seguiu uma pessoa como um louco.

— Sim, porque eu me preocupava com uma amiga que estava e está em perigo graças à sua incompetência. — Xeque.

— Isso por você agir de maneira estranha e chamar minha atenção me desviando do assassino certo. — Droga, ele era bom em me fazer sentir culpa.

— Não me arrependo, eu protegia Nia. — Levei o garfo à boca e mastiguei a última porção de minha comida.

— Sim, mas ela tem o marido para defendê-la. Além disso, não se tratava somente de proteção. Você me disse com sua própria boca que a amava, então havia uma boa pitada de ciúmes. — Xeque mate. Eu não tinha como rebater o último argumento.

— De toda forma, deveríamos deixar os ataques pessoais e focar no que realmente importa. — Um apelo desesperado de minha parte? Talvez.

— Concordo senhor Isac. — Nico se levantou da mesa e começou recolher a louça suja. — É melhor se focar na noite de hoje. Precisamos planejar bem ou ambos teremos sérios problemas.

— Nisso você tem razão. — Apoiei os cotovelos na mesa e a cabeça sobre as palmas das mãos que estavam viradas para cima.

Os únicos sons que podiam ser ouvidos após aquele curto debate, eram os das vasilhas sendo lavadas por Nico. Ele estava certo, precisávamos de uma boa estratégia. Rápida, prática e eficiente. A parte mais difícil era achar Djéfani, já que seu paradeiro seria incerto. O que aconteceria se Schukrut descobrisse os planos de Nico? Ele seria capaz de matar um detetive?

Olhei para um detalhe cor turquesa que havia na parede. Como estaria Nia? Feliz? Provavelmente. Ela amava aquele homem.

— Mais uma coisa — Nico me assustou ao falar de repente. Fui arrancado do cerne de meus pensamentos. — É melhor esquecer esse sentimento pela Nia. Eu conheço um casal apaixonado a quilômetros de distância, ela nunca será sua. Sinto muito.

A sensação era de que Nico tinha adentrado minha mente e estapeado cada neurônio.

E claro, ele venceu o jogo da humilhação. Eu não tinha palavras para responder. Nenhum mísero argumento.

Maldito detetive.

A Rosa do Assassino [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora