Bela manhã

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Era manhã.

Alguns meses antes eu não imaginaria que me sentiria melhor em uma cela da prisão que em uma clínica psiquiátrica, mas foi justamente isso que aconteceu. Ninguém me maltratou, me bateu ou me xingou. Meus companheiros de cela me trataram como ser humano e não como um animal pronto para o abate, e, por mais inacreditável que pareça, eles respeitaram meu tempo.

Um homem chamado Carlos, magro, baixo e de olhos bondosos, preso por roubar um litro de leite para a filha que estava com fome, me perguntou se gostaria de desabafar.

Eu quis.

Contei a ele toda a trajetória do amor à Nia até enterro de Djéfani. Carlos ouviu tudo com uma paciência incomum. Não me interrompeu, não tentou me consolar, apenas ouviu. E quando viu que terminei a história, perguntou se poderia falar.

Assenti com um gesto.

— Olha garoto, talvez você não considere meus conselhos bem vindos, sou um homem de cinquenta anos que está preso por roubo. — Falou de forma serena. — Porém, se eu posso dizer algo do alto da experiência, é que não se obriga ninguém a amar você.

“Sei que é tentador, mas não pode. Se você acha que não vai conseguir viver sem uma pessoa, é um direito seu chorar, praguejar, espernear, mas nunca tente perseguir ou tirar a liberdade. Isso sai do controle. Nessa cela não tem espancador de mulheres para comprovar, mas metade das histórias começa assim, com uma paixão descontrolada, uma obsessão desmedida.”

— Eu nunca quis machucá-la. — Comentei com sinceridade.

— Pode até ser, mas você saiu do controle da situação. — Continuou. — Quando isso acontece tudo fica muito perigoso, em algum momento você esquece onde é o limite. Sei que deve ser muito doloroso, mas deixe-a viver em paz.

— Vou tentar. — Estávamos sentados no canto da cela. Eu encostado à parede e ele nas grades. Abracei meus joelhos enquanto ele continuava.

— Você vai conseguir. — Olhou fundo em meus olhos. — Olhe para você. Todo acabado. Quase não ganhou algo em troca dessa loucura. Agradeça eternamente à menina que te salvou, ela fez mais que te livrar da morte, essa moça desviou você da obsessão na outra mulher.

— Sim. — Infelizmente precisei do sacrifício de uma inocente para revisar tudo da maneira correta. E isso me doía. Uma lágrima desceu pela bochecha ao me lembrar de Djéfani agarrada à minha mão enquanto corria pelos corredores para me salvar.

— Então, agora que você está mais calmo, pense na tal Petúnia e me diz o que você sente. — Pediu.

Lembrei-me de Nia. Do sorriso, as brincadeiras, o jeito inteligente e sua personalidade tenaz. Uma estranha alegria repentina me inundou, e um meio sorriso tomou minha face quando me lembrei de um dia no qual vimos o sol se pôr.

— Ih, nem precisa responder. — Me dei conta de que Carlos observava meu sorriso bobo.

— Ah... — Dessa vez sorri largamente. Era sábio aquele homem. No entanto, meu sorriso morreu quando me lembrei de algo importante. — Acho que ela corre risco de morte, eu queria proteger ela.

— Faça isso como um amigo. — Carlos orientou. — Se não conseguir se aproximar dessa maneira, então nem se aproxime. Será melhor para os dois.
Pensei no que ele dizia. Estava certo.

— Como um homem tão sábio conseguiu ser preso? — Perguntei.

— Honestidade. Fui pego e me rendi. Eu podia ter corrido. — Sorriu de maneira triste. — Mas o que me colocou aqui foi a falta de oportunidades. Não consigo emprego, não tenho estudo. Um dia você vai ser pai, e vai saber como é quando seu filho tem fome e te pede algo. Você não recusa, mesmo que queira.

A Rosa do Assassino [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora