Havia uma janelinha no alto de uma das paredes.
Fui colocado em uma cela horrível, um lugar todo acolchoado, branco e com cheiro de urina. Era o que ganhava por amar Nia? Não. Era o que ganhava por ainda estar vivo e não ter quem me ajudasse.
Quando os brutamontes me levaram para a cela, me foi enfiada uma cápsula, e quando digo isso, quero dizer que literalmente enfiaram o dedo dentro de minha boca e a cápsula foi empurrada até que me descesse pela laringe. Usavam de uma violência extrema e desnecessária, já que eu não resistira. Posteriormente descobri que seria assim a forma de tratamento. Momentos de gratidão vieram quando não apanhei naquela noite porque fui ligeiro em concordar com o remédio.
A verdade é que não o tomei. Quando saíram da cela, atirei o comprimido no chão e triturei com o pé. Teria sérios problemas se descobrissem o que eu tinha feito, então deixei meu pé parado sobre o pó do comprimido para que suasse e o absorvesse. Eu precisava me manter são e pensar uma estratégia de escape. Disseram a mim que no dia seguinte eu me consultaria com o psiquiatra e não era algo opcional.
Em algum momento, no silêncio da noite, me perguntei qual seria o motivo da violência daqueles homens para comigo.
Em minha primeira madrugada naquele inferno, supus que havia pessoa em pior situação, era quase uma certeza. De minha cela eu podia ouvir os gritos de quem sentia muita dor e não tinha saída a não ser continuar lá onde estivesse. Desolado, me sentei junto à parede e abracei meus joelhos. Naquele momento foi impossível não chorar, minha vida havia se transformado em um inferno e minha dignidade fora toda tirada.
E Nia, estava com outro, nem sequer se preocupava comigo. Com toda certeza cri que ela desfrutava muito de sua lua de mel com aquele homem perfeito.
Aquele homem... Ele era perfeito demais! Havia algo errado e eu sentia que meu instinto estava certo. Uma estranha sensação de familiaridade me tomou algumas vezes enquanto eu seguia Nia. Era como se o conhecesse, mas uma presença tão marcante como a dele não seria facilmente esquecida, eu me lembraria caso já o tivesse visto antes. Não me lembraria?Senti outra vez o vazio da solidão, e novamente chorei. Meu futuro era incerto.
Adormeci no chão frio. Não tinha cama e não me foi servida alguma refeição. Ainda bem que já estava acostumado a comer mal.
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No dia seguinte fui acordado por um dos já conhecidos brutamontes que trazia um copinho na mão. Era meu remédio. Estendi a mão para pegar o copo, mas ele não aceitou me entregar, na verdade agiu com truculência e agarrou minha mandíbula para que eu abrisse a boca como se fosse um animal teimoso, a técnica dele funcionou já que eu estava fraco. Depois daquilo fui descartado no chão para vê-lo sair de minha cela.
Sonhei com um bom banho e um prato de sopa. Parecia que estavam me matando aos poucos como se quisessem jogar na minha cara o quão fracassado eu era. Eu deveria desistir? Deveria me entregar aos remédios?
Algum tempo depois, que eu não sabia quanto por não ter relógio, e não era possível ver pela janelinha - por estar muito acima de minha altura e ser demasiado pequena - dois homens chegaram à minha cela.
— Hora do banho, neném. — Falou um deles que era louro, com músculos inchados de quem toma anabolizante e sorriso desdentado.
Esse me chamaria sempre de “neném”. O outro, era gordo e calvo, trazia a testa sempre com rugas de dúvidas.
— Que bom. — Respondi com voz fraca.
O homem riu com desprezo e um pouco depois entendi o motivo. O “banho” consistia em eu ficar nu em minha cela, depois eles me jogavam uma balde de água e entregavam uma toalha para que eu me secasse, e uma roupa limpa para eu vestir. Senti-me mais uma vez humilhado.
Ambos ainda gargalhavam quando se retiraram.
Sentei-me em um canto que não estava molhado e observei que a água escorria para um vão de menos de um centímetro de largura onde uma das paredes encontrava o chão.
Eu sentia frio, muito frio. Deitei-me em posição fetal e me aninhei em mim mesmo. Era o máximo que eu poderia fazer para reter algum calor. Fechei os olhos e imaginei como seria minha vida se eu não amasse Nia.
Algum tempo depois ouvi um barulho e um prato de comida que foi passado por uma abertura na porta, não era possível ver o buraco quando não estava aberto. Isso significava que só abria por fora.
Engatinhei até o prato e o conteúdo era pão seco e uma banana madura demais, quase podre. Comi sem resmungar. Antes de ser preso, por muitas vezes comi apenas pão seco, mas meu corpo não se manteria forte o suficiente se minha alimentação continuasse daquela forma. Eu precisava saber o que fazer para conseguir melhores condições de estadia ali, ou quem sabe até mesmo fugir.
Deitei-me no chão outra vez e olhei para o teto, a necessidade fisiológica chegou, como chegaria para qualquer ser humano, e sem outra saída, me vi obrigado a defecar no canto do escoamento. Tive esperança de que limpassem a cela, me deixar daquela forma já era demais.
Não sei quanto tempo se passou até que a porta foi aberta novamente. Pensei que seria remédio, mas o psiquiatra queria conversar comigo.
— Credo — o homem louro tapou o nariz —, você precisa bater na porta quando quiser defecar, agora vou ter que limpar toda essa merda.
Eu não fiquei triste com aquela notícia, mas também não foi agradável levar uma tapa no rosto, como castigo pela minha ignorância. Minha pele ainda queimava enquanto eu era conduzido através dos corredores. Contei todos, vi locais que pareciam quartos comuns, portas de celas como a minha e uma janela que dava vistas para um jardim.
O homem calvo bateu em uma porta onde havia uma placa com os dizeres “Dr. Schukrut”. Não demorou muito tempo antes de a porta ser aberta. Quando isso aconteceu, fui empurrado para dentro da sala.
Lá havia um homem de óculos com lentes retangulares, poucos cabelos brancos e um sorriso nada confiável. Sentado em sua escrivaninha, ele apontou para uma poltrona. Entendi que eu deveria me sentar. Obedeci, era melhor colaborar.
Seguiu-se um longo silêncio. Aproveitei para analisar a sala. Havia uma enorme prateleira de parede a parede, do piso ao teto, cheia de pastas de arquivos. Imaginei que fossem registros dos pacientes. O chão era acarpetado. Em um canto havia um filtro de água e no centro da outra parede lateral, oposta à dos arquivos, havia um pequeno frigobar.
— Então — apesar da aparência frágil, sua voz ainda era forte —, como estão as acomodações?
Virei-me e o analisei seu rosto sem expressão, ele só podia estar de brincadeira.
— Péssimas. — Olhei fixamente para seu nariz adunco.
— Para um criminoso? — Me olhou por cima dos óculos.
— Não sou um criminoso. — O silêncio tomou a sala enquanto nos avaliávamos.
— Permita-me ir ao banheiro. — Ele se dirigiu a uma porta que estava atrás de mim.
Esperei que a porta se fechasse, me levantei e avaliei a estante de arquivos. Deslizei os olhos pelas lombadas das pastas, os sobrenomes vinham antes dos nomes. Uma infinidade de “Silva”, “Souza”, “Schalgumacoisa” e depois vieram os sobrenomes com iniciados com a letra “T”. Não havia tantos assim. Continuei minha avaliação até que vi uma pasta bem no canto da prateleira: “TUNÍSIO, Miguel”. Olhei em direção à porta do banheiro, nenhum sinal de movimento.
Retirei a pasta da prateleira e abri, porém não consegui ler, não seria possível. Ouvi a porta do banheiro sendo destrancada. Arranquei a primeira página, dobrei e escondi na cueca. Devolvi a pasta ao lugar e depois me afastei da prateleira.
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A Rosa do Assassino [Concluído]
Misterio / SuspensoNia vivia sua tranquila vida como jornalista local de uma cidade pacata, mas seu grande sonho era escrever sobre um importante caso, um que arrebatasse a cidade, que causasse frisson e pânico. A jornalista desejava ascender às custas do caos que ape...