Preciso contar

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Esperei alguns minutos antes de seguir Nico, que tinha saído do hospital. Presumi que ele estivesse no carro, e foi justamente lá onde o encontrei.

Nico olhava para frente, sua expressão estava séria, os olhos fixos na rua. A boca apertada em uma linha fina e rígida. O maxilar travado, sinalizando uma raiva que ele não queria deixar transparecer.

Acomodei-me no banco, fechei a porta e fiquei mudo por alguns instantes. Em minha mente eu organizava a melhor forma de dizer tudo o que pensava sem descontar minha raiva em Nico.

— Eu não sei o que podemos fazer para ajudá-la, mas creio que agora você acredite em mim. — Falei enquanto olhava para as mãos de Nico que estavam cruzadas sobre o colo.

Em um gesto de impaciência, com um polegar ele acariciava o outro.

— Sim, acredito. Peguei algumas pastas, mas ainda não olhei o conteúdo. — Nico contou, e com exceção da boca, ele não se moveu sequer um milímetro. — Sinto muito por colocar você lá, Isac. Naquele lugar.

— É melhor voltarmos. — Olhei para o teto e suspirei. Aquele pedido de desculpas de certa forma me desarmou.

Nico não me respondeu, apenas tirou as pastas de dentro das roupas e jogou no banco de trás do carro.

♠♠♠♠

Isac saiu do carro e voltou para dentro do hospital.

Em tantos anos de profissão, talvez eu não tivesse testemunhado nada tão cruel quanto aquilo que aconteceu com Djéfani e Isac. Afinal, tornou-se impossível não acreditar nele depois de tudo que eu tinha visto com meus próprios olhos.

Fui jogado em um mar de dilemas. Minha cabeça era um ninho de dúvidas e de meu coração brotavam sentimentos impetuosos, nada saudáveis para minha carreira.

Abri a porta do carro, e como Isac, e me dirigi para o hospital. Djéfani era uma testemunha, eu precisava dela, tinha obrigação de cuidar dela. Aquela moça retalhada era um caminho para sem demora fechar aquela clínica. Quando eu contasse ao delegado o que estava acontecendo e com o apoio do testemunho da moça, investigações oficiais seriam abertas com máxima urgência.

Entrei na sala de espera do hospital e vi que Isac estava sentado no mesmo lugar de antes. Mal tive tempo de encostar minhas nádegas em uma das cadeiras e uma enfermeira se aproximou para avisar que Djéfani insistia em falar comigo.

Segui a mulher através dos corredores daquele labirinto.

Eu sentia muita angústia. Uma terrível sensação de que aquela jovem morreria ali mesmo.

Chegamos a uma porta aberta. Pude ver Djéfani sobre os lençóis limpos da cama. Mirrada, magra, com profundas olheiras. Mexeu os lábios, provavelmente dizendo algo que eu não conseguia escutar e por esse motivo me aproximei para ouvir.

— Onde está o Isac? — Sua voz era quase um sussurro.

— Lá fora. Ele é foragido, precisa ser discreto. — Respondi. Em alguns momentos da vida, nada é melhor que a verdade.

— Quem é você? — Sua expressão era de preocupação.

— Sou o detetive Nico. — Me apresentei. — E já sei que seu nome é Djéfani.

— Detetive? — Sussurrou.

— Sim. — Confirmei com a palavra e com a cabeça.

— Eu prec... Preciso te contar — ela agarrou a manga do moletom —, antes que eu morra.

— Você não vai morrer, querida. — Segurei sua mão fina e trêmula.

— Sim, vou. Não há salvação, mas eu ainda... — ela tossiu — eu ainda posso ajudar.

— Você não vai... — Eu ia dizer que ela não ia morrer, mas foi inútil tentar.

— Por favor, grave tudo o que vou dizer — me interrompeu. — Por favor.

— Não se esforce. — Pedi. E com razão, a cada palavra ela ficava mais pálida.

Djéfani fechou os olhos em uma piscada demorada demais.

— Eu preciso contar. Minha história e a da clínica. — Inspirou o ar profundamente.

— Não se esforce. — Pedi outra vez.

— Por favor. — Ela implorou.

Eu não tinha escolha. Necessitava do depoimento. Não era ético sacrificar alguém por isso, mas ela insistia.

Puxei uma cadeira que estava em um canto do quarto. Sentei em frente à cama. Peguei o celular do bolso e liguei a câmera.

— Pode começar. — Avisei.

A Rosa do Assassino [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora