Meadas

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Estávamos todos sentados à mesa para jantar. Meu sogro parecia alguns anos mais velho. Ricardo tinha olheiras profundas, avermelhadas. E eu, me encarregara de fazer o jantar.

Nia se sentiria bem se eu fizesse aquilo por eles, mesmo que fôssemos mudar de cidade no dia seguinte, era preciso dar todo apoio que estivesse ao nosso alcance.

Enquanto cozinhava, conversei com Nia sobre os resultados do trabalho de Adelaide. Em algum momento ela respirou profundamente e eu não soube dizer se era uma resposta ou um reflexo a uma necessidade fisiológica.

A nova franja emoldurava seu rosto de uma maneira que destacava mais a cor e o formato dos olhos, transmitindo uma imagem mais sensual, diferente de antes, que era mais profissional. Nada daquilo valia muito, pois Nia não estava consciente para ver e apreciar, então eu apenas me iludia.

— Você está linda, como sempre. — Pousei um beijo em sua testa enquanto arrumava a mesa para o jantar.

Ela não reagiu.

Meu sogro comia em silêncio e Ricardo analisava a irmã.

Ambos estavam a par das últimas notícias sobre o estado de Nia. Adamastor soltou um bufo descontente e ficou com o rosto completamente vermelho quando soube que a filha poderia não falar por muito tempo. Ricardo tinha de sentado em um degrau da escada enquanto se lamentava pelos acontecimentos recentes.

Ele não tinha noção do quanto tudo era mais complicado do que parecia.

O irmão de Nia quebrou o silêncio enquanto eu tentava alimentá-la como se fosse uma criança. Era preciso ter paciência, quando ela sentia a comida dentro da boca iniciava a mastigação, mas se não lhe desse a comida, ela também não se alimentava.

— Vocês foram ao salão? — Ricardo perguntou entre uma garfada e outra.

— Sim, nossos cabelos estavam mais longos que o usual. Pensei que ela iria gostar disso. — Respondi. — O que você achou da franja?

— Ficou boa. — Ricardo usou o tom mais cordial que conseguiu. Apreciei seu esforço. Se Nia estivesse consciente dos atos do irmão, talvez ficasse feliz por seu elogio, mesmo que fosse seco.

— Ela também fez manicure. Não é, amor? — Beijei seu rosto delicadamente. — Escolhemos uma cor que combina com os olhos dela. Veja. — Levantei a mão de Nia que estava sobre seu colo para que Ricardo avaliasse o trabalho de Matheus. Que estava muito bom, por sinal.

— Muito bom. — Ricardo elogiou com sinceridade, mas se ânimo.

Meu sogro olhou para as unhas de Nia e depois para seus olhos. Sem dizer uma palavra que fosse, se levantou da mesa e colocou o prato sobre a pia. Depois saiu dali. Fiquei completamente constrangido pela situação, não foi preciso esforço para entender que ele viu a esposa nos olhos da filha. Talvez tenha saído para chorar.

Devolvi a mão de Nia para sua posição inicial e continuei a colocar comida em sua boca, oprimido pelo silêncio sepulcral.

Ricardo limpou a garganta para chamar minha atenção.

— Não se preocupe com ele, é normal ficar assim. — Disse. — Ela tem olhos muito semelhantes, você sabe. — Continuou sem citar a mãe. — Como eu disse: não se preocupe.

— Sinto muito. — Me desculpei ainda constrangido pelo momento.

— Tudo bem. — Ricardo parou de comer e cruzou as mãos sob o queixo, pousando os cotovelos sobre a mesa. — Vocês se mudam amanhã. Certo?

— Sim. Espero que vocês não me odeiem por isso, mas acredito que vai ser melhor por muitos motivos. — Tirar Nia do alvo de um assassino, por exemplo. — A psicóloga apoiou a idéia. Deixei o número dela anotado na agenda, caso você queira conversar pessoalmente.

A Rosa do Assassino [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora