Em ação

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Nico estacionou o carro um pouco antes de chegar ao portão da clínica.

Existiam dois pontos a ser considerados. Primeiro o risco de não conseguirmos entrar na clínica, mesmo ele sendo um homem com distintivo na testa. Segundo, que não poderíamos entrar a pé. Isso porque se os guardas me vissem, além de ser o fim do plano, teríamos um risco de morte a mais.

— Estou muito aliviado por o delegado não ter percebido minha verdadeira identidade. — Ainda sentado no banco do passageiro, contemplei Nico bater com a testa no volante.

— Garoto, você me diz isso com toda essa calma!? — Ergueu a cabeça e se voltou para mim. Seus olhos estavam muito abertos. — Pensei que seria o fim da minha carreira! — Em um gesto inesperado, ele bateu outra vez com a testa no volante.

— Ora velho... Você não é um fugitivo. Eu sou. — Destravei o cinto de segurança e olhei para o portão ao longe. Eu mal tinha escapado daquele maldito lugar e ali estava novamente, procurando uma maneira de não viver em segurança.

— Vai ser com muito prazer que te trancarei dentro do porta malas. Insolente. — Nico abriu sua porta e desceu do carro.

Desci também e o segui até o porta malas do carro. Pegamos algumas ferramentas especiais e duas máscaras feitas com gorros de lã. Enquanto eu colocava minha máscara, Nico trancou o porta malas. Em seguida, colocou o próprio capuz ridículo, porém absolutamente necessário. Se alguma câmera nos gravasse, seria  nosso fim.

Enfiei as ferramentas dentro do moletom e corri até o muro. Nico imitou meus movimentos. Depois, com passadas ágeis, andamos pela extensão do lugar até encontrar o padrão de energia. Precisávamos cortar a energia elétrica do local. Era extremamente importante.

Nico iluminou o padrão com a lanterna do celular. Estava trancado com um cadeado grosso, o que não seria problema. Peguei um grande alicate e cortei o cadeado. Abrimos a caixa de aço e foi vez de Nico cortar os fios. Confesso que tive medo, corria alto risco de ele morrer eletrocutado enquanto executava tal peripécia e eu seria culpado pela morte de um detetive. Nada bom.

— Pronto. Vamos rápido! — Ele cochichou enquanto eu devolvia o celular.

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Isac e eu fizemos o caminho reverso até o carro. Precisávamos ser rápidos, logo alguém viria ao padrão de energia para averiguar o que tinha acontecido e não demoraria até contatarem a empresa responsável pelo fornecimento, mas enquanto isso não acontecia, câmeras de segurança deixaram de ser uma preocupação.

Abri o porta malas, Isac colocou as ferramentas em seu devido lugar para em seguida se enfiar junto a elas. Ele podia se esconder no banco de trás, mas era arriscado. Tirei o capuz e joguei junto a ele.

— Tudo bem? — Perguntei.

Ele não respondeu, apenas grunhiu. Essa também seria a resposta que eu daria caso estivesse no lugar dele.

Fechei o porta malas e andei até o banco do motorista enquanto fazia o sinal da cruz. Olhei para o céu e fiz um pedido silencioso para a constelação cujo nome eu não sabia. Abri a porta, sentei no banco do motorista e respirei fundo. Precisava agir naturalmente.

Dirigi até o portão onde - segundo Isac - deveriam estar dois seguranças. Foi grande minha surpresa quando vi que quatro deles. Consequência da fuga de Isac. Todos tinham lanternas em mãos, o que era um bom sinal, nosso plano de cortar a energia tinha surtido efeito.

Um dos homens veio em minha direção. Parou em frente à minha janela e me lançou a luz da lanterna nos olhos - ato que quase me cegou -, depois pousou sobre mim um olhar que era mistura de suspeita e desdém.

— Pois não. — Falou em um tom grosseiro enquanto me avaliava.

— Sou o detetive Nico. Quero entrar. — Fui firme e direto. Em meu íntimo tinha a esperança de ser um bom ator.

— A clínica não está aberta. — Era um bruto.

— Não perguntei se está aberta. Eu disse que quero entrar. Abra o portão. — A expressão do homem ficou um pouco mais ameaçadora do que já era naturalmente.

— Não posso. — Virou as costas para mim e seguiu em direção à cabine de segurança. Apertei a buzina sem piedade enquanto o via conversar com outro que estava dentro da cabine.

O segundo homem veio em direção ao carro. Preparei meu tom mais agressivo para dialogar, pois de alguma maneira eu os faria abrir aquele portão. Mesmo que eu precisasse atirar em todos.

— Boa noite, senhor. — Esse tinha os modos falsamente gentis. — Posso ajudar?

— Sou o detetive Nico e quero entrar. — Fui mais direto e firme que da outra vez.

— Sim, entendo, mas a clínica não está aberta agora, o senhor pode voltar amanhã. — Ele lançou a luz da lanterna em meu rosto assim como o outro tinha feito.

— Deixa eu te explicar uma coisa: um dos internos fugiu daqui e eu sou obrigado a encontrá-lo. Até onde eu sei, ele fugiu na madrugada. Então faça o favor de abrir essa porcaria de portão para eu investigar ou amanhã arranjo um jeito de prender todos vocês, afinal presumo que o motivo de eu não poder entrar é que vocês têm algo a me esconder. — O homem não tinha alterado a expressão até a última frase, quando mudou de falsa amistosidade para surpresa. Era péssimo de blefe, claro que eles tinham algo a esconder.

— Claro detetive! Vamos abrir uma exceção. — Sorriu de uma maneira irritante que me fez ter vontade de quebrar todos os seus dentes com um soco. — Apenas por segurança preciso olhar o banco de trás, é norma, espero que não se importe.

Eu nem mesmo tinha processado a informação e ele já abria a porta de trás. Fiquei aliviado por ter escondido Isac. Uma decisão muito acertada. Observei o guarda de segurança pelo retrovisor enquanto ele olhava dentro do carro.

Satisfeito, fechou a porta e fez sinal afirmativo para o outro que estava no portão.

— Estamos sem energia, cuidado para não se perder. Demora cerca de meia hora para o gerador começar a funcionar. Até a saída, detetive. — Ele se afastou do carro e me deixou com o coração na boca.

Eles tinham um gerador de energia. E só tínhamos meia hora para executar o plano.

O portão foi aberto. Dirigi até o local mais ermo e escuro no qual eu poderia estacionar sem levantar suspeitas.

♠♠♠♠

Demorou mais do que pensei que demoraria. Senti vontade de correr quando Nico abriu o porta malas e eu senti o ar fresco da  madrugada substituir o ar abafado que me sufocava.

Entreguei a máscara dele e saí do local com um único movimento. Olhei para o espaço onde estive e calculei o quanto eu e Djéfani precisaríamos nos contorcer para caber ali. Precisaríamos entrar juntos, era a única forma de sair.

— Temos um problema. — Nico avisou enquanto pegava as lanternas e um molho de chaves mestras.

— Qual? — Não podia ser grande, tudo estava correndo bem.

— Só temos meia hora. A clínica tem gerador de energia. — Ele me entregou uma lanterna e uma chave de fenda.

— Merda! — Coloquei a máscara. Sempre tinha como piorar. Sempre! Meia hora era metade do tempo que precisávamos. — E agora?

— Agora paramos de perder tempo. — Nico fechou o porta malas. —  Eu procuro o tal arquivo sobre o Miguel e você busca a garota.

Peguei o mapa improvisado que estava em meu bolso e entreguei para ele.

— Eu não  preciso mais que você.

— Vamos. Nos encontraremos aqui o mais rápido possível.

Fomos em direção à mesma porta da qual eu tinha saído na outra madrugada.

A Rosa do Assassino [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora