Caverna

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Segui o som da água corrente.

Passei por muitas árvores antes de ver que, aos poucos, a mata se abria para revelar a margem de um rio.

A margem era uma raridade. Baixa e com areia limpa, como a de uma praia deserta. A água também era muito limpa. De onde eu olhava era possível ver o fundo da parte rasa, que cintilava sob os raios que incidiam nas águas.

Fiquei em dúvida entre me banhar e procurar abrigo ou procurar abrigo e depois me banhar. O crepúsculo já chegava e com ele os perigos da noite. Havia também uma grande possibilidade de mais chuva durante a noite, afinal, era um lugar chuvoso, motivo da escolha de Miguel.

Pensar nele fez meu coração pesar no peito. Sacudi a cabeça e tentei isolar o sentimento. Eu não podia me dar ao luxo perder o foco.

Aproximei-me da margem, mas não sem o cuidado de verificar se o local estava vazio. Tirei a mochila das costas e peguei o celular. Ainda sem sinal. Não sei porque eu ainda tinha esperanças. Mesmo que tivesse sinal, o que eu faria? Ligaria para meu irmão?

Bebi água e enchi os recipientes. Já estava próxima do topo. A quantidade de rochas no chão tinha aumentado consideravelmente.

O sol se punha e eu precisava de um abrigo.

Quanto a fugir, não conseguiria mais. Meu corpo não aguentaria por muito tempo.

♠♠♠♠

“Sempre para o norte.” Disseram.

Maldita floresta, estava escurecendo e a visibilidade diminuiria drasticamente. Além disso, minha água acabara. Precisava achar algum local para reabastecer.

Pensei bem naquela idéia. Eu não era o único que precisaria de água, Nia também sentiria sede e provavelmente procuraria algum lugar para reabastecer. A grande questão era que aquela ilha não tinha apenas uma fonte de água potável o que dificultaria minha busca por aquela cadela.

Que se fodesse! Eu acharia algum lugar para pegar água.

Quando colocasse minhas mãos naquele corpo voluptuoso que eu tanto amava... Bem, eu aproveitaria. Nia pagaria por cada hora que desperdicei em sua busca. Perdido em algum lugar de nossa consciência, Miguel dormia. Às vezes ele tentava acordar e tomar o controle, mas eu era mais forte, meu ódio era mais forte.

Maldita Petúnia!

♠♠♠♠

Depois de horas seguindo o guia, perdi a noção do tempo. Nem fiz questão de contá-lo, eu não queria, porque eu sabia que cada segundo que passava era um segundo a menos de esperança. Miguel estava muito adiantado em relação a nós. Mesmo que tivéssemos guia muito bom e que fôssemos rápidos.

— Olha moço, logo vai anoitecer e não é bom procurar no escuro, aqui tem uns bichos bravos que só. — Joaquim avisou.

Nico passou uma toalhinha pelo rosto a fim de secar o suor. Se não fosse a aflição que oprimia meu peito, eu teria rido daquela cena. Afinal, quem pensaria em levar uma toalhinha no meio de toda aquela tralha?

— Entendo. — Replicou. Sua voz estava um pouco rouca pelo exercício ininterrupto. — Quanto tempo temos?

— Umas três horas no máximo. — O guia parou de andar nos lançou um olhar avaliador.

Estávamos em uma subida que parecia não ter fim. O guia segurava uma espécie de vara feita de galho de árvore. Segundo ele, ajudava a se manter em pé. No início pensei que parecia mais uma frescura que algo útil, mas quando levei os primeiros escorregões nas folhas molhadas  soltas no barro, entendi que eu não sabia nada da vida.

— Tem um rio aqui perto. Acho melhor a gente passar lá e beber água fresca.

— O mais rápido possível, por favor. Queremos ir o mais longe que pudermos. —  Nico me olhou como se procurasse apoio.

Concordei com um gesto. A voz parecia entalada em minha garganta, não confiei nela para responder.

♠♠♠♠

Seguir o caminho das rochas foi uma boa idéia. Não muito distante da margem do rio, encontrei uma espécie de caverna. Pelo som alto de água caindo, deduzi que havia alguma queda d'água ali perto. A caverna não era muito alta, mas era um pouco profunda e serviria para passar a noite. Eu tinha pouca comida na mochila, mas seria o suficiente até o dia seguinte.

Catei alguns galhos secos para fazer uma fogueira pequena e aproveitei para explorar os arredores.

Segui o barulho da água até chegar a um barranco alto, escarpado e extremamente perigoso. Evitei olhar para baixo por muito tempo para não ter uma vertigem.

Por outro lado, era incrível a vista da cachoeira que havia logo à frente. A água caía macia por entre rochas molhadas, algumas cheias de limo. Os últimos raios de sol lançavam uma luz alaranjada sobre o lugar, e o topo da cachoeira cintilava em partículas douradas.

O som da queda era alto como se bilhões de baldes de água fossem jogados contra uma parede. Ao pé da cachoeira, onde a água caía de maneira violenta criando um caos, havia uma fina névoa. Não demorou para que gotículas começassem a se juntar em meu rosto, formando uma camada fina e refrescante.

Instintivamente segurei todos os galhos com apenas um dos braços, pousei a mão livre sobre o ventre e desejei que o bebê pudesse ver tudo que eu via naquele momento.

Em meio a tantas desgraças, uma bênção.

— Você vai ser muito amado, bebê. Não se preocupe. A mamãe vai cuidar bem de você e nós seremos muito felizes. — Murmurei.

Lágrimas desceram pelo meu rosto. Minha angústia em forma física. Eu estava prometendo para meu filho que lutaria por nós até meu último suspiro, e eu lutaria.

Sentia muito por ele não poder conhecer o pai de maneira física, mas era para sua própria segurança. Apesar disso, eu faria meu melhor para que ele conhecesse Miguel. O de minhas lembranças, sem Juan. O homem que conheci no bar, por quem me apaixonei, com quem casei e concebi um filho. Narraria sobre como o pai era um homem bom que fez tudo o que estava em seu alcance para fazer a mãe feliz. Eu falaria da alegria de meu esposo ao saber que tinha um filho a caminho.

E depois?

Depois eu diria que o pai dele morreu no mar. Um acidente triste. Meu choro evoluiu para um lamento alto e repleto de soluços. Segurei os galhos contra o peito e me afastei do barranco. Minha visão embaçada pelas lágrimas.

Quando cheguei ao “quarto” improvisado, deixei madeira em um montinho perto de uma parede. Em seguida peguei uma muda de roupas limpas, um sabonete e me dirigi ao rio para me lavar.  O choro cessou aos poucos. E crescente era a determinação em me manter viva.

Eu só precisaria me manter viva por uma noite. No dia seguinte eu fugiria para o continente. E depois daria um jeito de sair do país.

A Rosa do Assassino [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora