Podre

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— Está sentindo esse cheiro?

Distante do novo lar de Nia e Miguel, e de sua felicidade, uma tagarela camareira importunava seu colega de turno. Insistia veementemente em ver outra vez o quarto de William. Foi entre suas súplicas, lamúrias e falsas ameaças que ela sentiu um estranho odor.

Não estava muito forte, mas era um cheiro que incomodava os sentidos. Como um ovo podre em um saco plástico ou algo do tipo.

— Sim. — Seu colega de trabalho foi sucinto na resposta, mas aspirou melhor o ar a fim de confirmar se os sentidos não estavam enganados.

Ambos estavam cansados e famintos. O trabalho em um cruzeiro não era nem de longe tão glamouroso como as pessoas imaginavam. Existia muito hóspede grosseiro e ingrato.

A mulher caminhou para a direção na qual o odor ficava mais forte. O colega a seguiu. Chegaram a uma porta com uma estrela dourada. Acomodação marcada, era o quarto da cantora.  Ela não estava se sentindo bem nos últimos dias, então apenas deixava bilhetes na porta. Nem mesmo queria que as pessoas entrassem para limpar o quarto. O cheiro vinha de lá, e estava pior para quem chegava perto.

— E agora, o que fazer? — Com uma das mãos a camareira segurava o queixo e a outra estava na cintura.

— Deixar. Não podemos entrar aí, você sabe. — O homem ralhou com uma voz séria.

— Mas se passar um hóspede aqui você sabe que vai haver reclamações e jogarão toda a culpa em nós. — Ela insistiu, agora tinha ambas as mãos posicionadas nas extremidades da cintura.

— Nós não vamos morrer com isso. — O homem se virou e deu alguns passos no corredor. Parou e esperou que a colega o seguisse, o que não aconteceu.

— Eu não quero levar “rala” e perder meu emprego. Prefiro brigar com a galinha emplumada. — Disse, se referindo à cantora.

O colega se virou a tempo de ver a camareira tirar a chave mestra do bolso. Por alguns segundos, em sua mente, ele pesou os prós e os contras de deixá-la continuar com sua teimosia. Acabou por decidir que uma briga entre duas funcionárias seria mais fácil de abafar que uma acusação de incompetência.

A camareira abriu a porta e uma lufada pútrida atingiu seu rosto. O estômago se revirou como se pequenas criaturas estivessem a esmurrar seu ventre. Tudo estava escuro. Ela chamou pelo nome da cantora, mas não houve resposta.

O homem também sentiu o mau cheiro que vinha do local. Quase vomitou no chão, mas se segurou porque precisava ser exemplo. Observou enquanto a colega chamava o nome da cantora entre uma careta e outra. Sua pele estava lívida.

Na quarta vez ela avisou que entraria no quarto. E foi o que fez. A mulher entrou um passo e ligou o interruptor que ficava ao lado da porta.

Seu coração quase bateu muito rápido, mas ela mal sentiu o início da reação. Aliás, sentiu absolutamente nada, porque desmaiou.

O colega viu a mulher cair, ainda mais branca que antes. Correu no intuito de aparar seu corpo, mas não estava perto o suficiente. Ajoelhou-se ao lado de sua cabeça e deu uma tapinha na bochecha dela. Sem efeito.

Ele ousou olhar para o que ela tinha visto antes de cair, e do mais profundo de seu ser, ele pôde compreender o que ela tinha sentido. Uma mistura de repugnância, horror e medo. E impotência. Seu coração se acelerou de tal forma que parecia querer explodir a caixa torácica. O estômago reclamou novamente e ele não foi capaz de segurar o vômito. Ali, com um joelho dobrado e o outro apoiado no chão, a cabeça imóvel e olhos que não conseguiam parar de fitar aquele pedaço de inferno que estava sobre a cama.

Um amontoado de três cadáveres.

Era possível distinguir os três, duas mulheres e um homem. Todos nus. O funcionário não sabia como reagir ou o que fazer. Demorou algum tempo até que se lembrasse do Walkie Talkie no bolso. Pegou o objeto, apertou o botão e disse uma frase mal articulada “Rápido, quarto da cantora”.

Permaneceu congelado na mesma posição até que o gerente e outro colega chegaram para atender o chamado.

O colega mal aguentou olhar para os cadáveres sobre a cama, seu desmaio foi quase instantâneo. O gerente, conhecido por seus nervos de aço, se controlou como pôde, mas havia sinais de algum descontrole nervoso. Ele puxou o homem que estava ajoelhado e esse pôde sentir os dedos trêmulos. Ele acabou por cair sentado em um lugar do corredor, mas estava fora do quarto. Não desmaiou, porém estava em choque. Sua mente, consciente em algum lugar, observava enquanto o gerente arrastava o corpo da camareira desmaiada.

Foi impossível evitar que não se arrastasse sobre o vômito.

O próximo passo do gerente foi fechar a porta, para depois pegar seu celular e ligar para o capitão.

A Rosa do Assassino [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora