A camisola

652 84 532
                                    

Os pingos da chuva batiam no vidro da escotilha e escorriam em direção ao mar.

Não fui recebida por uma manhã de sol. Tudo parecia normal exceto por Miguel que não estava na cama. Lembrei-me do ocorrido na madrugada e olhei para o canto onde o cadáver tinha estado. Não havia sequer um sinal dele.

Levantei-me e abri as gavetas da cômoda. Nada. Sequer nossas roupas. Procurei as malas e as vi, alinhadas no canto de sempre, mas dispostas de maneira diferente da noite anterior.

Andei até elas e experimentei sentir o peso de uma, estava cheia. Abri e vi minhas roupas perfeitamente arrumadas. Fiz o mesmo com todas as demais malas, tudo estava em seu devido lugar. Dirigi-me ao banheiro e olhei no espelho. Meu rosto estava normal, não havia sinal de agressão. Sentei-me no sanitário e afastei a calcinha, apalpei minha vagina e não senti dor. Coloquei minha atenção na camisola que vestia, não era a mesma que eu tinha usado na noite anterior.

Saí do banheiro e me dirigi às malas outra vez, abri todas e procurei a camisola, mas não estava dentro delas. Busquei em todos os demais lugares do quarto, mas foi em vão.

Voltei ao banheiro e comecei a tomar banho.

Eu precisava procurar por William. Não poderia estar enlouquecendo, meu coração se pôs apertado e a lembrança da madrugada era tão nítida que me dava náuseas. Quem era Juan? Ele existia? Minha cabeça tornou-se um emaranhado de questionamentos.

Alguém bateu na porta do banheiro. Minhas pernas automaticamente perderam as forças e não consegui fazer mais que me agachar em um canto e deixar a água do chuveiro cair sobre minha cabeça.

Comecei a chorar quando me lembrei que não a trancara. Eu estava aterrorizada por algo que nem podia provar que era real, exceto pela camisola desaparecida. As batidas foram interrompidas e em seguida a porta foi vagarosamente aberta. Meu coração acelerou e não ouvi mais que um zumbido e o barulho da água caindo sobre meu crânio. Abracei os joelhos e me encolhi ainda mais. Fechei os olhos com força e me preparei para o que viesse.

Poucos segundos depois duas mãos grandes seguraram meu rosto. Senti um dedo acariciando sob meu olho direito. A água que caía sobre mim teve o fluxo interrompido quando uma mão abandonou minha face para voltar logo em seguida. Lábios quentes pousaram um beijo sobre minha testa.

— Nia, amor, o que está acontecendo? — Era a macia e grave voz de Miguel. Mas era mesmo ele? Era o homem que eu amava ou outro pesadelo horrível?

Abri os olhos devagar, não queria ver aquele olhar sádico que me perturbava desde o momento em que acordei.
Para minha surpresa os olhos que me encaravam não eram aqueles que me perturbavam as lembranças. Na verdade me vi frente a frente com o  doce olhar de Miguel. Sua boca não sorria, expressava preocupação.

Era meu esposo que estava na minha frente. Apesar da aparência igual à daquele que visitava meus pesadelos, a aura era diferente. Lancei meus braços ao redor de seu pescoço e o abracei, exatamente como estava. Nua e molhada.

Miguel não se importou, retribuiu o abraço com intensidade e acariciou meus cabelos molhados. Não consegui segurar o choro. O que estava acontecendo comigo? Seria tudo uma invenção de uma parte perversa da minha mente?

Afastei meu corpo do dele e acariciei o rosto familiar. Minha mão molhada bagunçou seus cabelos. Avaliei o estrago que fizera ao abraçá-lo. A camiseta ficou ensopada, ele precisava se trocar.

A Rosa do Assassino [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora